Donald Trump acha que a mídia é parcial com ele. Jornalistas tendemos a achar que ele é um xenófobo e um misógino que não vale metade da loção bronzeadora mais barata no mercado.
Trump tem razão —e criou um boletim com amostras diárias da "imprensa enviesada".
Já fustigou o "New York Times" por publicar em dois dias consecutivos só notícias negativas sobre ele —e nenhuma sobre a sua rival, Hillary Clinton— no alto da capa, o filé-mignon do jornal.
Também criticou um encontro da democrata com jornalistas hispânicos e negros, dois grupos demográficos que fogem mais de Trump do que de zika.
Em vez de perguntas duras, Hillary recebeu aplausos. O adversário sugeriu "um curso de imparcialidade" à imprensa-claque.
Trump é seletivo ao mostrar só o que lhe convém. Ela também apanha. É verdade que menos, mas existe uma questão mercadológica que merece artigo à parte: metralhadora de polêmicas, ele dá audiência.
O sentimento anti-Trump nas Redações, contudo, não é algo da sua cabeça.
O editor-chefe do "Wall Street Journal" cobrou menos militância da equipe. O do BuzzFeed reprovou o engajamento virtual, após uma repórter tuitar "vou sentir sua falta" para Barack Obama: "Leitores têm o direito de confiar menos se pensam que você está numa trincheira".
Em editorial, o "New York Times" (se) questionou como um jornalista que vê Trump jogar "com as piores tendências racistas e nacionalistas da nação" consegue ser objetivo ao reportar sua campanha.
Equilíbrio não é sinônimo de trégua. Temos obrigação de esquadrinhar cada proposta estapafúrdia que Trump fez, e a maioria não para em pé. Se repudiar sua ideia de deportar 11 milhões de imigrantes ilegais é ideologia, apontar os engasgos constitucionais e econômicos da proposta é jornalismo.
Em tempos de muros para separar pessoas, não é preciso ficar em cima de um para fazer boas reportagens. Mas vale lembrar que muitos nas grandes Redações de TV e jornal dos EUA vivem na matriosca do progressismo: uma turma à esquerda nas regiões mais cosmopolitas das democratas Nova York e Los Angeles.
"Você está numa bolha com câmara de eco adjacente, onde você e seus amigos se convenceram de que o povo não elegerá um idiota para presidente", diz Michael Moore.
Cineasta ativista, Moore tacha Trump de canastrão. Como jornalista, se pararmos por aí, falhamos em empatizar com milhões que, fartos da velha ladainha de Washington, aderiram ao republicano depois de ver o sonho americano voar pela janela com a crise dos anos 2000.
Como Trump chegou tão longe? Se a sua resposta ainda é "sendo um idiota", a bolha continua intacta.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.