Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

A Argentina ganhou

Na disputa que importa, o vizinho saiu na frente: a Câmara legalizou o aborto

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Grupo comemora em Buenos Aires aprovação de lei que permite o aborto
Grupo comemora em Buenos Aires aprovação de lei que permite o aborto - Jorge Saenz/Associated Press

A Argentina ganhou. Não da Croácia, mas do machismo. A Câmara dos Deputados da Argentina aprovou projeto de lei que despenaliza e legaliza o aborto até a 14ª semana, caso seja o desejo da mulher. Se o projeto for aprovado no Senado, nossas vizinhas serão residentes de um país que garante seus direitos reprodutivos. Terão um Estado preocupado com a vida. Delas. Olé.

Trata-se de uma conquista que nos enche de esperança. Uma onda verde, a cor usada pelo movimento feminista argentino ao marchar por essa causa, que bateu até furar a pedra dura do conservadorismo.

Mulheres abortam. Interrompem gravidezes por incontáveis razões a todo momento, em todos os lugares. Mulheres de todos os grupos socioeconômicos, em todos os cantos abortam. Olhe, ao seu lado há agora mulheres que abortaram. Portanto, mesmo quando ilegal, o aborto é a escolha  de milhões de mulheres. É praticado em absolutamente todos os contextos.

O IBGE estima que 7,4 milhões de brasileiras já fizeram pelo menos um aborto. A OMS (Organização Mundial de Saúde) fala em cerca de 1 milhão de abortos por ano. A mesma escolha, mas histórias muito distintas.

As que têm recursos abortam em segurança pagando caro e seguem suas trajetórias. Mulheres pobres morrem, são mutiladas, experimentam uma infinidade de destinos cruéis. O Estado fecha os olhos e nós nos viramos como conseguimos. Queremos apenas que ele abra os olhos.

A filósofa Djamila Ribeiro, no livro recém-lançado “Quem Tem Medo do Feminismo Negro?”, lida honestamente com uma pergunta leviana que as feministas engajadas na luta por direitos reprodutivos sempre escutam: “E se sua mãe tivesse te abortado?”. 

Num ensaio curto, visceral e corajoso, Djamila conta a história de sua mãe e fala do momento em ela revelou que tentou abortar ao saber que estava grávida pela terceira vez, a gestação de Djamila. A mãe tentou procedimentos ineficazes, os que estavam à disposição para uma mulher negra com suas condições financeiras e de seu tempo. “Não teve jeito”, disse a mãe de Djamila para a filha que ela aprendeu a amar. 

A mãe de Djamila se sentia culpada, mas não teve culpa de nada. O Estado é que tem. O Estado é culpado por tudo o que a mãe de Djamila passou ao interditar o exercício da sua liberdade e expô-la e a filha a tamanho risco, tamanho sofrimento.

Onde está a onda verde brasileira? Em breve o STF (Supremo Tribunal Federal) vai se movimentar no que tange à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), ajuizada pelo PSOL com consultoria do Instituto Anis - Instituto de Bioética. 

A ação argumenta pela inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 124 e 126 do Código Penal para casos de aborto até a 12ª semana de gestação, ressaltando que a criminalização dessa prática viola o direito constitucional das mulheres à dignidade. Precisamos estar de olho nisso. Temos uma chance. 

No mais, estamos em ano eleitoral. A muitos interessa que este tema não componha o debate político e seja visto como um tema moral. A estes convém que nossos corpos sigam tutelados. Precisamos falar disso. Aborto é uma questão de direitos e deve ser tema de campanha, as eleitoras demandam isso.

Enfim, que fique claro: não há posição pró-vida de fato que se oponha aos direitos reprodutivos. Ser contra os direitos reprodutivos não é ser pró-vida. É ser contra a vida. A nossa. E contra a democracia e a liberdade. Que bonito ver que as argentinas foram escutadas por quem as representa, e venceram.

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