Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Antonia é escritora e roteirista. Manoela é assistente especial do Programa para a América Latina da Open Society Foundations. Feministas, editam o blog #AgoraÉQueSãoElas.

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Antonia Pellegrino e Manoela Miklos

Ameaça à ordem pública

Brasil vive anarquia em relação aos direitos das mulheres

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Foi relançada na última semana a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, presidida pelo deputado federal Diego Garcia, do Podemos. O evento contou com a presença e apoio de Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, que escreveu o estatuto da criação da frente, em 2015.

As prioridades da frente serão: incentivar mulheres a não abortar no caso de estupro e a constituir família com estupradores (estatuto do nascituro); defender a vida do feto mesmo que ele venha a nascer morto porque não tem cérebro, ou em caso de risco de morte para a mãe (PEC da vida).

Família e vida são palavras que aglutinam forças em sua defesa, afinal, ninguém é contra a vida e a família. Mas de que vida e de que família a Frente fala?

A Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família assegura que defende o "feto desde a concepção", mas esquece que no Brasil, segundo dados do Fórum de Segurança Pública, uma mulher é estuprada a cada nove minutos. E boa parte destas agressões não ocorrem em um beco escuro na rua, mas dentro de casa.

Nosso país vive uma situação de total anomalia em relação às mulheres, às chefes de boa parte das nossas famílias. Ao menos 536 mulheres foram vítimas de agressão física no último ano, por hora. São nove mulheres agredidas por minuto. 76,4% das mulheres vítimas de violência afirmam que o agressor era alguém conhecido: marido, pai, avô, padrasto, ex-companheiro ou vizinho.

O excesso de violência sobre os corpos das mulheres brasileiras é uma ameaça à ordem pública. A distância entre as infrações cometidas e as que são penalizadas é tal que não se pode mais falar em justiça ou repressão.

É o respeito dos cidadãos pela lei, e, portanto, pela autoridade do Estado que está sendo questionado. No Brasil, vivemos um estado de anarquia em relação às políticas de Estado para garantia da segurança das mulheres.

Ao invés de dar trato à anarquia, e atacar o mal pela raiz --ou seja, acabar com estupros ou a impunidade-- a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família pretende assegurar uma gravidez segura para mãezinhas estupradas e que elas constituam família com seus estupradores.

É a defesa de uma ideia de família tão fanática que supera a destruição das pessoas pela violência. Se esta for a política vitoriosa, trata-se do reconhecimento por parte do Estado de que ele falha com as mulheres. De que o problema, para o Estado brasileiro, não é que uma mulher seja estuprada a cada minuto.

Falar em defesa da vida e da família faz a imaginação sonhar com um ambiente seguro para mulheres e meninas, em casa e na rua. Onde meninas possam crescer sem ser estupradas e mulheres tenham o direito de envelhecer.

Mas é justamente o contrário que a Frente defende. Que laços familiares serão construídos com estupradores? Que infância a Frente propõe a crianças que perderam suas mães no parto? Que vida torturante a Frente deseja que a mulher tenha, ao assistir sua barriga crescer com um filho que deixará o seu ventre apenas para ser enterrado em um pequenino caixão?

O nome desta Frente em Defesa da Família e da Vida joga com a triste realidade de que vivemos uma situação de desordem e anarquia que não pode mais continuar.

Vida e família são valores fundamentais, não deveriam ser usados a serviço do marketing da necropolítica que a Frente gesta.

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