Antonio Nucifora

Economista-chefe do Banco Mundial para o Brasil, já trabalhou para a instituição na Europa, na África e no Oriente Médio.

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Antonio Nucifora

Um país fora do mundo

Abertura comercial do Brasil é extremamente limitada e reflete política intervencionista

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Em comparação com outros países, a abertura comercial do Brasil é extremamente limitada e reflete uma política altamente intervencionista e protetora.

Essa falta de abertura limita a exposição à concorrência internacional e desacelera a aquisição de novos conhecimentos e tecnologias modernas, trazendo prejuízos diretos para a produtividade e o crescimento econômico do Brasil. Porém, paradoxalmente, esse atraso oferece uma oportunidade. Vários países utilizaram o compromisso com a liberalização gradual do comércio exterior como âncora para a criação do ambiente necessário para as reformas internas que aumentariam a concorrência e a produtividade.

Será que isso poderia ser uma solução para o Brasil?

A evidência internacional é esmagadora de que a abertura ao comércio é fundamental para estimular o crescimento e reduzir a pobreza.

As reformas da Índia na década de 1990 trouxeram mais abertura, melhor regulamentação e maior investimento, permitindo que as empresas manufatureiras indianas comprassem serviços de uma série de provedores nacionais e estrangeiros que operam em um ambiente mais competitivo.

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Contêiners no porto de Santos - Zanone Fraissat/Folhapress

O acesso dos fabricantes a serviços empresariais melhores, mais confiáveis e mais diversificados aumentou a capacidade das empresas de investir em novas oportunidades e tecnologias, concentrar a produção em menos locais, gerenciar com eficiência os estoques e coordenar decisões com fornecedores e clientes.

A ascensão do Vietnã ilustra ainda melhor os tremendos benefícios da abertura ao comércio. O Vietnã se juntou à ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) em 1994, negociou um acordo de comércio com os Estados Unidos em 2000 e aderiu à OMC (Organização Mundial do Comércio) em 2007. A manufatura com mão-de-obra intensiva cresceu rapidamente, proporcionando bons empregos para muitos trabalhadores menos qualificados. No Vietnã, as regiões mais expostas à liberalização do comércio experimentaram uma redução mais forte da pobreza. No geral, a proporção entre comércio e PIB subiu de 20% do PIB em meados da década de 1980 para mais de 180% atualmente, e a parcela da população em extrema pobreza caiu de aproximadamente metade para menos de 3%.

O Brasil fornece outro exemplo dos grandes efeitos positivos do processo de liberalização comercial unilateral. Vários estudos mostram que os efeitos da liberalização comercial unilateral do final da década de 1980 e início da década de 1990 sobre a produtividade revelaram-se extremamente positivos para o país (Rossi Jr e Ferreira, 1999; Muendler, 2004; Schor, 2004; Lisboa et al., 2010; Cirera et al., 2015). Mesmo o Brasil, portanto, fornece evidências importantes que confirmam a importância da abertura comercial para o aumento da produtividade.

No entanto, quase nenhum progresso em direção a uma maior integração comercial foi feito pelo Brasil nos últimos 30 anos. Como resultado, a economia brasileira é hoje uma das mais fechadas do mundo, com exportações mais importações representando 25% do PIB em 2016, frente à média global de 51%. 

Comércio internacional como porcentagem do PIB (Média 2010-2017)
País % do PIB Posição no ranking
México 67,96% 52
Chile 63,74% 57
OCDE 56,04% -
Índia 48,35% 74
Rússia 47,67% 76
China 44,16% 79
EUA 29,23% 88
Brasil 24,60% 90

As políticas de proteção comercial, que impõem altas barreiras tarifárias e não tarifárias às importações, contribuem para a falta de integração global. A alíquota tarifária praticada pelo Brasil em 2015 foi de 8,3% em média —a mais elevada entre as economias emergentes e avançadas.​

Além das tarifas, a porcentagem de importações sujeitas a pelo menos uma MNT (medida não-tarifária) é maior no Brasil do que em outros países: 89% estão sujeitas a barreiras técnicas, 66% a medidas sanitárias e fitossanitárias e 65% a controles de quantidade, que é bem acima da média mundial.

Entre 2008 e 2014, o Brasil ficou em segundo lugar —atrás da Indonésia— em matéria de ECLs (exigências de conteúdo local), com 17 ECLs em vigor.  Em média, o Brasil tem mais restrições ao comércio de serviços do que a média na região da América Latina e Caribe de acordo com o STRI (Índice do Banco Mundial sobre restrições ao Comércio de Serviços), com os escores mais restritivos nos serviços financeiros e profissionais, que são insumos críticos para o aumento da produtividade e concorrência em todas as indústrias.

O Brasil também enfrenta desafios na facilitação do comércio. Para competir na economia global, os comerciantes precisam de cadeias de suprimentos bem afinadas, incluindo processos eficientes de administração de fronteiras e desembaraço alfandegário.

As evidências sugerem que cada dia em trânsito equivale a uma tarifa ad-valorem entre 0,6% e 2,3%. A recente introdução do Portal Único, um sistema eletrônico de intercâmbio de dados, somada à reengenharia e à revisão de todos os processos e formalidades de importações e exportações reduziu o tempo de cumprimento das exigências documentais de exportação e importação.

De acordo com Doing Business 2018, o tempo médio para cumprir as obrigações documentais de exportação caiu de 18 para 12 horas entre 2016 e 2017, uma redução de um terço. O tempo médio no lado das importações diminuiu de 120 para 48 horas, uma redução de 60%. No entanto, quando comparado a uma série de pares, o Brasil ainda está atrasado em termos de custos monetários de fronteira e documentação. 

Os efeitos positivos da liberalização do comércio descritos em estudos históricos são confirmados por simulações de políticas. Usando um modelo de equilíbrio geral computável (EGC), O Banco Mundial explorou vários cenários de liberalização do comércio para avaliar o potencial impacto sobre o crescimento econômico, a exportação e a importação no Brasil. Os resultados são claros: o desempenho da economia brasileira se beneficiaria substancialmente de uma maior integração na economia mundial. 

Além disso, muitas reformas na política comercial podem ser feitas no curto prazo diretamente pelo poder Executivo, sem a necessidade de avaliação pelo Congresso, e dessa forma, poderiam ser usadas pelo novo governo para sinalizar seu compromisso com a modernização do Brasil. Entre elas estão, por exemplo, medidas para reduzir as barreiras à importação de bens de capital e equipamentos de TI, e mudanças nos requisitos de conteúdo local. O estabelecimento de um acordo de livre comércio entre o Brasil e o Chile, seria outro sinal fortemente positivo. 

Uma preocupação relacionada à liberalização do comércio é de que ela prejudicaria grande parte dos pobres. Essas preocupações são infundadas. As simulações apresentadas pelo Banco Mundial sugerem que uma maior liberalização tarifária e uma racionalização de barreiras beneficiariam as famílias brasileiras em todos os pontos da curva de distribuição de renda, e retirariam quase seis milhões de pessoas da pobreza. No entanto, alguns grupos específicos podem vir a sofrer efeitos negativos da pressão exercida pela concorrência e, portanto, o relatório também leva em consideração políticas complementares para mitigar esse risco.

Uma solução simples seria compensar aqueles que experimentam perdas salariais. No Brasil, a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República realizou um excelente estudo para analisar o possível impacto do cenário de liberação comercial nos mercados de trabalho em nível local. O estudo confirma que os ganhos seriam mais do que suficientes para garantir que todos possam se beneficiar, se a distribuição for justa. Também quantifica a compensação necessária e as áreas onde seria necessário intensificar os programas de ativação do mercado de trabalho para apoiar os trabalhadores deslocados.

O Brasil tem vários exemplos e até mesmo experiências próprias em que se inspirar. Encontrar novamente seu lugar no mapa do mundo trará muitos benefícios para o Brasil e para os brasileiros.

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