Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

Programas de TV que não existirão

Ataque do raio gourmetizador no sertanejo universitário e outras miscelâneas

Adams Carvalho/Folhapress

“Pick-a-porn!”. Seis adolescentes especialistas em computadores e masturbação —ou seja, qualquer adolescente— diante de laptops. Um apresentador diante de quatro urnas: “Utensílios domésticos”, “Animais”, “Profissões”, “Cor de cabelo”. Uma pessoa da plateia —ou telespectador, via internet— escolhe duas urnas. Digamos: “Profissões” e “Utensílios domésticos”. O apresentador retira um papelzinho de cada uma delas. Sai “Bombeiro” e “Colher de pau” ou “Enfermeira” e “Martelo” ou “Padeiro” e “Tubo de desodorante”. É dada a largada e os participantes têm que garimpar sites pornôs em busca de filmes que reúnam os dois quesitos. Quem achar primeiro, ganha a rodada. Na finalíssima, podem estar envolvidas as quatro urnas. Quem encontrará primeiro um filme em que um “Carteiro” “Loiro”, uma “cabra” e um “Mixer” apareçam envolvidos em atividade sexual? Os temas das urnas podem variar de uma semana pra outra. Por que não “Países do Leste Europeu”, “Legumes”, “Tipos de vegetação”, “Década”? Tipo: pornô ucraniano da década de 90, no bosque, envolvendo um nabo. Aposto que tem. Mais que um.

“Master Gourmetização.” Desde que o picolé virou “paleta”, muita água passou pelo moinho da ressignificação. O cafezinho é hoje servido em estabelecimentos com tecnologia da Nasa, por “baristas” pós-graduados na Esalq e PhDs em “Mindfulness”, uma conversa sobre cervejas deixa um simpósio de enólogos parecendo papo de boteco e um mero brigadeiro tem mais pedigree do que o cachorro da rainha da Inglaterra. Pois neste programa —o Master Chef do marketing contemporâneo— três grupos compostos por profissionais de publicidade e comunicação competem para reformular algo que ainda não tenha sido tocado pelos ubíquos raios gourmetizadores. Digamos: o aviãozinho de papel, o sertanejo universitário, o nabo. O plano de ação deve incluir a descrição das lojas (ou cooperativas ou coletivos ou comunidades ou...) dos novos “produtos” e ações de marketing disfarçadas. Como, por exemplo, plantar numa coluna social fotos do Rodrigo Hilbert ou da Björk lançando seus aviõezinhos de papel especialmente projetados por Philippe Starck e customizados pelo Ai Weiwei. (Já vejo hipsters radicalizando e dizendo que todo aviãozinho de papel que tenha que dobrar o papel é uma concessão, que o aviãozinho de raiz é o A4 intocado, o aviãozinho ideia, o aviãozinho potência).

“Problematize já!”. Imagens ou frases aparentemente neutras são mostradas para os telespectadores, que deverão enviar vídeos de até dois minutos gravados em seus celulares (na horizontal) provando que aquilo é absolutamente ofensivo para algum grupo. Por exemplo, a foto de um pardal comendo uma minhoca: “Escolher, entre tantos pássaros que se alimentam de frutos ou sementes justamente aquele que come minhoca é uma tentativa de normalizar o carnivorismo e assinar embaixo do agronegócio que...”. A foto de um paralelepípedo: “Um igual ao outro, do lado do outro! Massificação! Padronização! Comunismo! Vai pra Cuba!”. A frase “Ivo viu a uva”: “A sentença ignora completamente toda a população de deficientes visuais que jamais viu uma uva. Por que não ‘Ivo tocou a uva’? Ou, para o caso de pessoas sem mãos, quem sabe, ‘Ivo sentiu a presença da uva’?” Um nabo: “Pouca vergonha! Isso aqui é um jornal família, mais respeito com o cidadão de bem!”.

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