Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu

Pague pela notícia, amigo

De onde veio essa ideia de que o jornalismo deve (e pode) ser de graça?

Ilustração mostra pessoas em roda utilizando celulares
Adams Carvalho/Folhapress

Vira e mexe eu boto o link da crônica no Twitter ou Facebook e recebo comentários do tipo “Põe o texto na íntegra! A Folha NÃO ME DEIXA LER!!!!!!!”. Gostaria de acreditar que a abundância de exclamações é em razão do interesse por meus escritos, mas percebo que é fruto da indignação: como o jornal ousa cobrar por seu conteúdo? 

Acho curioso. De onde veio essa ideia de que o jornalismo deve (e pode) ser de graça? Este mesmo indignado que exige crônicas na faixa não para na frente do Pão de Açúcar dizendo “Manda dois quilos de acém, meia dúzia de cenouras e dezoito rabanetes pra calçada! O Abílio NÃO ME DEIXA LEVAR!!!!!!!”. 

Produzir rabanetes custa dinheiro. Produzir notícias, idem. E ouso afirmar que no atual estágio de involução do Homo sapiens, com as calotas polares derretendo para que produzamos cada vez mais energia para suprir necessidades básicas do Homo sapiens, como ir de carro na padaria da esquina e assistir ao Felipe Neto no YouTube, mais importante do que bons rabanetes é bom jornalismo. (A não ser que você considere os rabanetes acompanhados por azeite, sal e umas gotas de limão. Aí eu mando pros diabos o jornalismo, as calotas polares e o Homo sapiens).

No início, achei que a exigência de jornalismo grátis fosse coisa de millennials, uma geração que cresceu num mundo “clicável” e nunca teve que buscar conhecimento trabalhando os bíceps numa “Barsa”, turbinando a rinite nos ácaros de uma “Mirador”. Acontece que os comentários vêm de todas as faixas etárias. As pessoas acham justo pagar pelos rabanetes, pelo show do Radiohead, pela assinatura da Netflix, mas não pelo jornalismo, esta instituição fundamental para o bom andamento da democracia. (Se você não gosta da Folha e, pela esquerda ou pela direita, acha que ela não contribui para o bom andamento da democracia, assina a Carta Capital, a Exame, o Nexo, o Valor, a piauí. E por que se restringir ao Brasil? Assinar The Economist, New York Times, Wall Street Journal, Guardian, El País ou a NPR, rádio pública americana, é uma boa maneira de lutar pelo mundo em que você deseja viver.)

Nos meses logo após as últimas eleições norte-americanas, vários jornais e revistas dos EUA experimentaram um grande aumento nas assinaturas, fenômeno a que chamaram de “Trump bump”, algo como, numa livre tradução, “sacolejo do Paspalho” (Se a tradução é livre, posso traduzir “Trump” por “Paspalho”). Foram centenas de milhares de opositores ao presidente eleito que, percebendo como a desinformação e as “fake news” haviam influenciado o pleito, resolveram patrocinar o velho e bom jornalismo.

Sou filho de jornalistas, enteado de jornalista (meu herói, Nirlando Beirão), casado com uma jornalista. Cresci frequentando jornais e revistas, sentado no chão, desenhando com Bics em laudas bege. As Redações eram um mar de gente trabalhando sob um vozerio de mercado árabe, uma sinfonia de telefones e a quase ensurdecedora tempestade metálica das máquinas de escrever. Então veio a internet, as redes sociais e o jornalismo mergulhou numa crise da qual ainda não saiu. São anos e anos seguidos de demissões e o atual raquitismo das Redações me parece inseparável do alastramento das mentiras e boatos que, hoje, pautam o debate mundial, do “Brexit” à velocidade das marginais. 

Pague pela notícia, amigo. O mundo precisa de mais Washington Posts e menos posts de Facebook.

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