Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Conhecimento acima de todos

O potencial único que o cosmos nos deu: questionar 'que cazzo faço eu aqui?'

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Foi entre junho e julho, na península de Yucatán, 66 milhões de anos atrás. Sabemos que foi há 66 milhões de anos pelo estrato geológico em que se encontra o material resultante do impacto. Sabemos que foi entre junho e julho porque no meio do material há fósseis com pólen da flor de lótus e do lírio-d’água, que só abriam no meio do ano.

O asteroide viajava a mais de 60 mil km/h e tinha cerca de 10 por 10 quilômetros. O equivalente a um monte Everest que, se colocado sobre SP, cobriria do Campo de Marte ao Ibirapuera, do Sesc Pompeia ao museu do Ipiranga. 

Ao entrar em nossa atmosfera, o Everest criou um rombo na esfera gasosa: se um dinossauro olhasse para cima bem naquele instante poderia ver uma claraboia de céu estrelado no meio do céu azul. Infelizmente, os dinossauros não tinham globos oculares suficientemente desenvolvidos para contemplar seu gran finale. 

Ilustração. Criança ao redor de planetas
Adams Carvalho/Folhapress

O impacto com o solo gerou uma energia equivalente a 100 milhões de bombas de Hiroshima e um calor quatro vezes mais intenso que o do Sol. Parte da matéria da cratera de 30 quilômetros de profundidade foi vaporizada e lançada para o alto. Bem para o alto: um jato de vapor de rocha chegou ao espaço. Ali, o vapor se solidificou em zilhões de minúsculas esferas de vidro. Parte dessas esferas foi parar na Lua. Parte, em Marte. Parte não parou em lugar algum e segue voando por aí, 66 milhões de anos depois. Noventa por cento dessas zilhões de microesferas, porém, foram atraídas de volta por nossa gravidade, envolveram o planeta e reentraram na atmosfera.

O resultado foi uma chuva de fogo. O céu ficou todo vermelho e a temperatura chegou a mais de 600ºC, equivalente a de um forno de pizza. Umas duas horas depois do impacto, todos os dinossauros, após um reinado de 200 milhões de anos, estavam mortos. 

A vida que restou protegia-se ou cem metros debaixo da água ou em tocas embaixo da terra. Era o caso de um mamífero pequeno e frágil, com pinta de ratão e que, livre dos dinossauros, pôde evoluir sem muitos predadores, virar uma espécie de lêmure, depois primata e enfim homo sapiens com polegar opositor, córtex frontal avantajado e globos oculares capazes de admirar a noite estrelada e se perguntar —até onde se sabe, pela primeira vez na história do universo— “Que cazzo faço eu aqui?!”.

Esses e outros fatos incríveis sobre a extinção dos dinossauros estão no fantástico podcast Radiolab, episódio “Dynopocalipse Redux” (no YouTube: http://twixar.me/0x3n). Esses e outros fatos incríveis sobre a extinção dos dinossauros só chegaram até nós por causa da ciência. Do trabalho colaborativo de homens e mulheres que se meteram em pesquisas muitas vezes sem qualquer objetivo imediato, prático, rentável, para alargar o escopo do conhecimento humano. A ciência, por sua vez, é filha da filosofia, da indagação “Que cazzo faço eu aqui?”.

Também são filhas da filosofia as ciências humanas, sem as quais não haveria países com instituições capazes de estimular e sustentar tais redes de pesquisa. Todo conhecimento é um só: não haveria microchip sem Montesquieu nem Shakespeare sem matemática.

Num mundo ideal, cada descendente daquele rato entocado deveria receber o conhecimento suficiente para exercer o potencial único que o cosmos lhe deu: olhar para o céu estrelado, se perguntar “Que cazzo faço eu aqui?” e responder como melhor lhe conviesse; com Deus, com Fernando Pessoa, com o Flamengo, com sexo, drogas ou rock and roll. 

Não sei por que, mas tenho a sensação de que estamos meio longe desse mundo ideal.

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