Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Bacon: direita ou esquerda?

Onde encaixá-lo é a grande questão taxonômica da atualidade

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Ilustração de bandeira hasteada balançando. A bandeira é feita de bacon e a haste é um palito de dente
Adams Carvalho/Folhapress

Cloroquina é de direita. Quarentena é de esquerda. Cross-fit é de direita. Yoga é de esquerda. Coca-cola é de direita. Fanta Laranja é de extrema direita. Guaraná é de esquerda. Guaraná em pó é do PSOL. Filé mignon é de direita. Chuleta é de esquerda. T-bone votou no Amoedo. Rabada foi sindicalista com o Lula em São Bernardo lá por 1978. Bem passado é do PSL. Mal passado dá aula na FFLCH. Mas e o bacon? Onde encaixar o bacon é a grande questão taxonômica da atualidade.

Afinal, neste mundo binário em que só existe preto ou branco, a pessoa tem que entender o significado do bacon pra se posicionar gastronomicamente. Sendo o bacon de esquerda, um cidadão de direita, ao comê-lo, sentiria-se assistindo a “Bacurau”. Sendo o bacon de direita, um cidadão de esquerda, ao comê-lo, sentiria-se usando uma camisa polo com cavalinho no peito. Complicado isso aí.

Uma pena o Umberto Eco, que ia de monges na Idade Média à semiótica do striptease, já não estar mais entre nós. Ou o Roland Barthes, que no livro “Mitologias” tão bem teorizou sobre o bife com batatas fritas. Dada a urgência do tema e a sua ausência no debate sociológico contemporâneo, resta a este pangaré aqui levantar algumas hipóteses, para que outros mais capazes as aprofundem num futuro próximo.

Por um lado, vejo o bacon trumpista. "Redneck". A favor do muro na fronteira com o México. Agressivo com imigrantes e coronárias. Mas também consigo enxergar o bacon hipster. A charcutaria artesanal. A gordura raiz. Ouço o bacon gritando contra as exigências puritanas de saúde e alta produtividade do capitalismo avançado: “Carpe diem!”.

É uma questão escorregadia —gordurosa. Se o bacon é antípoda da macrobiótica e a macrobiótica é de extrema esquerda, então o bacon é de extrema direita. Mas se o bacon representa a valorização da dieta camponesa de pequenos vilarejos no interior da Europa, então ele é quase hippie, ecologista e luta pelo “Green New Deal”.

Talvez a questão esteja na nomenclatura. Se chamarmos de bacon, é de direita. Se encararmos como toucinho, é de esquerda. Quem sabe o Aldo Rebelo, que já quis proibir anglicismos por todo o território nacional, não se empolgue e tente implementar a obrigatoriedade da tradução de bacon por toucinho?

Haveria grita na direita, mas é bom lembrar que os asseclas do imperialismo ianque já rebatizaram cumbuca como “bowl”, castanhas como “nuts” e telefonema como “call”. O que custaria nos dar o bacon, ou melhor, o toucinho?

Pensando bem, talvez eu não devesse publicar esta coluna. Vai que a esquerda cancela o bacon? Que o bacon perca o emprego, seja trollado nas redes e hostilizado em aeroportos? Pobre bacon. Meu irmão. Meu amigo. Frito em cubos, à pururuca e encharcado de limão cravo, num boteco em Belo Horizonte. No feijão de todo dia. Em qualquer sanduíche. Com ovos fritos. Puro, no micro-ondas, crocante. Não deveríamos politizar o bacon.

Espera. Não. É o contrário: urge politizarmos o bacon. Talvez o bacon seja o famigerado terreno comum diante do qual direita e esquerda darão as mãos. Vejamos a tira não como uma fronteira, mas como uma ponte. Encaremos seu aspecto bicolor não como segregacionismo, mas coexistência. O bacon tem o poder inspiracional de que os democratas do mundo precisam. Jamais me esquecerei de Anthony Bourdain, bêbado de vinho e poesia, diante de um porco no rolete, exclamando: “Oh, noble animal!”.

Que desgraça é este mundo. Que deleite é este pedacinho suíno. Vinde a nós, toucinho, sacieis os nossos corpos e redimais as nossas almas!

Ó, nobre animal!

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