Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata

Parabéns, aí, pro Tomate

Congratulo-o pela eficiência de sua trajetória evolutiva

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Eu queria, primeiramente, parabenizar o tomate. Escreverei com maiúscula, o Tomate, como quem diz o Homem referindo-se à humanidade, pois parabenizo o tomate enquanto espécie. Congratulo-o pela eficiência de sua trajetória evolutiva, dado que o ocorrido foi uma manifestação claríssima de um traço desenvolvido por milhões de anos através da seleção natural.

Um traço, não, vários, pois há de se considerar: a cor vermelha, capaz de destacar o fruto em meio ao denso verdume das matas centro-americanas, chamando a atenção de mamíferos e outros animais; há de se considerar o dulçor, agradável às papilas gustativas destes mesmos animais; até mesmo a altura do tomateiro, entre um e três metros, é digna de nota, pois perfeita para estimular primatas feito você e eu a colher o tomate na floresta —mesmo que há séculos o colhamos no mercado. A água também deve ser apontada como vantagem evolutiva, pois, como um cacto ou uma melancia, em época de seca um tomate é capaz de matar a sede de uma pessoa. Ou de um macaco. Ou de um tucano. (Será que tucano come tomate? Daria uma linda foto na National Geographic).

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 07 de Maio de 2022, mostra o desenho de um tomate voando no céu repleto de nuvens. Ele está caracterizado como o personagem do jogo "Angry Birds", tendo uma forte expressão de braveza e grandes sobrancelhas acentuadas.
Adams Carvalho - Adams Carvalho

Tomate vem do asteca "tomatl", que significa "fruto inchado" ou "água gorda" ou "coisa gorda", segundo explica a Wikipédia —mas não explica se as três possibilidades derivam da nossa ignorância sobre a língua asteca ou se, entre os extintos indígenas mexicanos, havia uma mesma palavra para "fruto", "água" e "coisa", coisa de que eu duvido muito, pois um povo jamais chegaria tão longe com tal bololô semântico.

Se bem que nós fomos à Lua e usamos a mesma palavra pra manga de camisa e pro fruto amarelo, pro inseto nojento e pra mercadoria que não é cara; um homem chamado João Melão chegou a ser eleito deputado e em Portugal tá assim de Maria Pia. Se bem que quem chegou à Lua foram os americanos e o inglês, me parece, tem menos homônimos do que o português. Se bem que o sobrenome Mellon eles têm. Mary Sink eu não sei. Enfim, deixo aí as questões para os filólogos e os engenheiros espaciais —eu volto pro tomate.

O tomate evoluiu de forma que seu fruto se tornasse atrativo e saboroso ao paladar de diversos animais. Também esses animais evoluíram, paralelamente, de forma a encontrar prazer no tomate. Em troca das calorias do tomate, espalhamos suas sementes através das fezes ou as espargimos por aí ao morder e derramar parte do "fruto inchado" ou da "água gorda" ou da "coisa gorda".

Deixemos as fezes de lado, não apenas por ser assunto pouco palatável, mas porque no meu caso a simbiose evolutiva nutrição do primata x reprodução do vegetal veio mesmo das sementes derramadas —embora "derramadas" não descreva, nem de longe, a forma como o conteúdo aquoso rebentou a finíssima bexiga rubra e lançou-se rumo ao desconhecido.

O desconhecido era um sujeito careca sentado a dois metros de mim, numa outra mesa do restaurante. Milhões e milhões de anos de vida na Terra concentraram-se na seguinte ação: eu mordi um tomate cereja sem fechar totalmente a boca, ele estourou como uma baga de Maria Sem Vergonha e esguichou seu conteúdo numa elipse digna de um profissional da balística. O míssil baboso subiu, passou por cima da cabeça da minha mulher e aterrissou bem no meio do kojákico cocuruto do desconhecido, feito um cocô de pomba num desenho animado.

O careca não viu de onde veio o tiro, mas a mulher dele viu e olhou pra mim. O careca virou o pescoço e olhou pra mim. Agora eu não sei se, depois de parabenizar mentalmente o tomate, eu peço a conta, peço desculpas ao careca ou saio correndo. O careca levanta. Eu saio correndo.

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