Chefs debatem se colocar açúcar no molho de tomate é certo ou errado

Saiba quando (e se) cozinheiros recomendam ingrediente para 'quebrar' acidez

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Prato de macarronada com molho ao sugo Rubens Cavallari/Folhapress

São Paulo

Nem só de tiros e cabeças de cavalo é feito o filme "O Poderoso Chefão", que agora está de volta aos cinemas por conta de seu aniversário de 50 anos. A obra-prima de Francis Ford Coppola também tem em seu roteiro uma rápida, porém importante, pitada de história culinária.

À beira do fogão, o personagem Clemenza, interpretado por Richard Castellano, aparece em uma cena preparando um molho de tomate. Ele convida Michael (Al Pacino), o herdeiro da família Corleone, a prestar atenção na receita: alho refogado, tomates frescos, pasta de tomate, linguiças e almôndegas, vinho e um pouco de açúcar.

Não há como cravar com precisão o nascimento do debate gastronômico sobre como —e se é necessário mesmo— quebrar a acidez de um molho de tomate, mas não parece arriscado chutar que ele deve existir desde antes de Marlon Brando sonhar em botar algodões no maxilar.

Cena do filme 'O Poderoso Chefão', dirigido por Francis Ford Coppola em 1972 - Paramount Pictures

Enquanto o açúcar é o segredo de Clemenza, há quem ache o ingrediente desnecessário. "Eu não uso", resume o chef Flávio Santoro, professor do Le Cordon Bleu São Paulo.

"Se você pesquisa sobre a origem da acidez, ela vem sobretudo da semente e da casca, principalmente da semente quando quebrada. Então, é só retirar ambas que você já vai ter bem pouca acidez. Outro fator é a variedade de tomate usada, algumas são naturalmente mais ácidas que outras. Tomates como o carmem têm uma acidez muito bem-vinda às saladas. Mas, para molho, o rasteiro e o italiano são mais propícios", explica.

Quando, ainda assim, precisa consertar o tom do molho, Santoro recorre às cenouras. "A cenoura tem uma taxa natural de dulçor que quebra a acidez. Uma situação em que isso acontece é quando o tomate que você tem ali na hora não está muito maduro. O tomate mais verde é mais ácido."

O seu segredo, continua Santoro, é o mirepoix, um preparo típico da culinária francesa em que cenoura, aipo ou salsão, e cebola ou alho poró são cortados em minúsculos cubos —o chef, neste caso, mistura tudo aos tomates.

"Refogo tudo muito bem até ficar bem marronzinho e provocar a caramelização natural. Depois ponho os tomates. Muita gente acha que o molho é uma preparação que deve ser cozida somente até o tomate desmanchar e depois ele pode ser batido ou triturado. Eu percebo que o resultado é muito melhor quando se cozinha por bastante tempo. Deixo ao menos seis horas, se puder, até mais", ensina.

"O açúcar às vezes é bom, mas o bom é botar cenoura, ela pega o lugar do açúcar", concorda o chef Erick Jacquin. Ele recomenda que se faça um refogado com cebola e a cenoura, e que se acrescente também vinho tinto.

"O tomate fresco tem que estar bem maduro. Pega os tomates velhos que tem na cozinha, é bom que evita o desperdício. Boto tomilho, louro, nunca alecrim. Um pouquinho de alho, manjericão. Deixo cozinhar muito tempo, devagar, metade tomate fresco, metade tomate em lata", diz Jacquin, levantando outro ponto polêmico, o da comida conservada.

"E pronto, não vou falar todos os meus segredos, porque depois não é mais segredo."

Autora de famosos livros de culinária, entre eles o "Fundamentos da Cozinha Italiana Clássica", a italiana Marcella Hazan também não via problemas em recorrer às latas de tomate pelado.

Uma de suas receitas de molho mais tradicionais leva duas xícaras do ingrediente, cebola, sal e manteiga. Muita manteiga. Marcella recomendava, em uma preparação para seis pessoas, praticamente uma colher de sopa por comensal.

Escritora e chef, Helô Bacelar avisa que talvez irrite os puristas, mas responde que "tudo depende do ingrediente que se tem à mão". "Alguém no sul da Itália tem a plantação de tomate ali do lado, e vai colher o tomate no auge do verão, ultramaduro, doce, e vai fazer o molho usando aquele tomate", exemplifica.

"É um tomate que tem acidez? Tem, mas ele tem uma concentração de açúcar maior, como acontece com qualquer fruta. E, se você tem um tomate desses na sua mão, é bem possível que não precise quebrar acidez porque ele por si só é quase uma sobremesa."

Chefs falam sobre o que pensam a respeito da acidez no molho de tomates e sobre o uso de ingredientes como o açúcar para neutralizar a questão - Rubens Cavallari/Folhapress

Helô, no entanto, diz que, como nem todos têm acesso ao que ela chama de "mundo ideal", é preciso pensar em alternativas. "Você até pode encontrar o melhor tomate, mas a chance de ele estar caríssimo é gigantesca. Temos que cozinhar de acordo com o bolso de cada um", acredita.

Sendo assim, se os tomates mais perfeitos não estiverem disponíveis, é permitido, sim, usar tomates pelados. "A pessoa que gosta de cozinhar tem que ter umas latas na despensa, porque elas quebram um milhão de galhos."

"E, para equilibrar a acidez, você tem que usar um elemento doce que pode ser o açúcar, o mel, o melado, a cenoura. Nunca usei bicarbonato com essa finalidade", conta.

O chef Roberto Ravioli também entra no debate sobre o açúcar no molho: "Mas é claro que põe! Ele serve justamente para tirar o amargo e a acidez. E, se não tiver açúcar, põe adoçante, duas gotinhas".

Ravioli revela que só usa tomates pelados. "Os frescos não têm padrão. Tem uns lindos por fora, você abre e estão uma bosta. As pessoas têm que parar com preciosismo: se o molho fica ácido, ele fica ruim. E quem quer comer molho ruim?".

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