Antonio Prata

Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

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Antonio Prata
Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022

'La la la la la abuela!'

São acontecimentos como esse que fazem a vida ter graça

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De quatro em quatro anos tem Copa: de quatro em quatro anos vem um idiota da objetividade dizer: "Ai, não entendo qual a graça de 22 marmanjos correndo atrás de uma bola de couro". Imagino esse mesmo pobre diabo num concerto do Beethoven, indagando "qual a graça de ver um homem deslizando dez dedos sobre 88 teclas?".

"Ah, mas do piano sai música", dirá em sua defesa o desalmado inimigo do Ludopédio. Uai, meu amigo, e dos gramados, não sai? Quem não entende que um arranque do Mbappé é um solo do Slash e que os dribles do Messi são as idas e vindas do fole de um bandoneon não merece a sorte de estar neste mundo.

A ilustração de Adams Carvalho, publicada na Folha de São Paulo no dia 18 de Dezembro de 2022, mostra de maneira onírica o desenho de uma senhora idosa de braços abertos carregando a bandeira da Argentina.
Adams Carvalho

Sabe quem merece a sorte de estar neste mundo? Os argentinos da "abuela". Se você ainda não sabe quem é a "abuela", para de ler agora, joga no Google "Copa + Argentina + Abuela" e assista ao vídeo, que já tem milhões de visualizações no TikTok, Twitter e outras bodegas. Na vitória da seleção cisplatina sobre a Polônia, uma meia dúzia de marmanjos estava comemorando numa esquina de Buenos Aires quando surgiu uma senhora, animada, chacoalhando uma bandeira. Os caras a cercaram pulando e começaram a cantar "La la la la la abuela! La la la la la abuela!".

No jogo seguinte, na mesma esquina, em torno da "avó" já havia umas 20 pessoas. No próximo, umas cem, rojões, spray de espuma. (A "abuela" até botou um vestidinho tomara que caia). A coisa foi crescendo, crescendo e na semifinal eram milhares de torcedores, câmeras de televisão, holofotes, confete, serpentina, vuvuzela, vendedores ambulantes e o diabo a quatro. Todos sempre em torno da mulher, pulando e cantando esta breve ode surrealista à vida na Terra: "La la la la abuela! La la la la la abuela!".

Ao contrário do que apregoam por aí, vida não tem nenhum sentido, objetivo ou razão de ser. Somos serragens pensantes do Big Bang. Por obra de quinquilhões de misteriosos acasos fomos abençoados com dois olhos, nariz, orelhas, boca e um quilo e meio de massa cinzenta que deveríamos usar, neste brevíssimo tempo que nos foi concedido, para tentar ser feliz. Acontece que acabamos gastando nossos preciosos dias com tarefas bem menos dignas, tipo montar planilhas de Excel, fazer o Imposto de Renda, meter a mão na buzina se o carro da frente demora dois segundos pra avançar quando o sinal muda pro verde.

Aquela multidão cantando "la la la la la abuela" é uma performance orgânica, um flash mob espontâneo de milhares de pessoas se unindo com o único intuito de se divertir. No primeiro dia, a senhora ouviu a comemoração, saiu de casa, juntou-se aos foliões. Alguém jogou na internet ou mandou pro grupo de bairro do zap. Mais vizinhos apareceram no próximo jogo. Os vídeos viralizaram. Até que o obscuro cruzamento do bairro de Villa Luro virou uma espécie de Anhangabaú, de avenida Paulista dos hermanos –ou, deveria dizer, "de los nietos"?

Se a Argentina vencer neste domingo (18), vai ter gente indo de outra cidade até aquela esquina pra pular em torno da "abuela", comemorando o fato de os 11 marmanjos nascidos ao sul do continente americano terem conseguido colocar a bola mais vezes sob as traves dos 11 marmanjos vindos do outro lado do Atlântico.

Sei que não pega bem a um cronista ter arroubos de grandiloquência nem dar lição de moral, mas são acontecimentos como o da "abuela" que fazem a vida ter graça –e, pensando bem, um sentido. Pronto. Chega de palestrinha. Vamos ao que interessa: força, Lionel. Fecha sua carreira com taça de ouro e bota a Villa Luro pra cantar: "La la la la la abuela! La la la la la abuela!".

Saio de férias. Nos vemos em 15 de janeiro.

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