Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

Nem monogamia, nem poligamia

Inexiste um formato ideal de relacionamento ou uma configuração única que caiba para todos

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Segundo Espinosa, a paixão é como um corpo que adoece pela influência de outro. Se isso é verdade, a cura para essa doença tão revigorante, que acomete alguns infelizes-felizes, tem um nome: agamia.

Derivada do grego "a" (não) e "gamos" (união íntima ou casamento), a agamia, expressão desconhecida por mim até pouco tempo, propõe uma forma de relacionamento que renuncia aos modelos tradicionais e questiona a ideologia do amor-romântico. Entenda-se por modelos "gâmicos" tradicionais de hoje (vide a variação de opções nos aplicativos de relacionamentos como o Tinder e o Hinge) não apenas a monogamia, como também a poligamia, o poliamor, o relacionamento aberto, virtual, entre outros. A agamia não se define por nenhum deles.

Ilustração em vetor colorido em estilo cartoon plana mostra multidão de homens nus e mulheres abraçando e beijando. Conceito de poligamia, poliamor, relacionamento romântico e sexual íntimo aberto, amor livre
Good Studio/Adobe Stock

A tese é que, longe de trazer consigo a felicidade que promete, o compromisso através do casamento ou da união estável é considerado uma das fontes das nossas misérias. A liberdade individual é defendida como um princípio fundamental para que cada um possa se relacionar da forma que desejar, sem rótulos nem amarras.

Um dos fundamentos é que a busca por um ou mais parceiros românticos limita a expressão pessoal e condiciona o comportamento das partes. É esse o ponto: o não envolvimento.

Se você se anima com um modelo de "solteirice sustentável" com relacionamentos livres e dinâmicos, conheça os requisitos para ser um novo agamista:

  • Renúncia ao amor: na agamia não há o enamoramento nem o apaixonamento. Seus adeptos entendem que o amor é uma construção social que serve para ditar as regras das relações, além de subjugar a capacidade de estabelecer as tão necessárias conexões múltiplas.
  • Razão no comando: para os agamistas, substituir a intuição pela razão consciente é recuperar a liberdade. A ideia é deixar o coração quietinho dentro da caixa torácica e colocar o cérebro para agir, em vez de confiar na intuição.
  • Eliminação de gênero: gênero ou sexo são categorias triviais que não fazem absolutamente nenhuma diferença.
  • Substituição da sexualidade pelo erotismo: o sexo não é visto como sagrado, as pessoas devem ter total autonomia e liberdade para viver a sexualidade como quiserem, inclusive para renunciá-la. A sexualidade é vista como escrava da reprodução, já o erotismo vai além das funções fisiológicas e pode existir independentemente do ato sexual.
  • Não ao ciúme: agamia e ciúmes são incompatíveis. O ciúme aprisiona os relacionamentos, é uma emoção considerada ineficaz que atrapalha a socialização.
  • Não à família tradicional: os agamistas defendem os "agrupamentos livres", no lugar da família.

Fui reprovada em todos os requisitos. Sofro, mas não consigo desistir do amor, morro de ciúmes, morro de desejo, não vivo sem a rotina familiar e tenho a maturidade de um bebê quando me vejo apaixonada —me apaixono todos os dias. A agamia soa para mim como um relacionamento sem relacionamento.

Não ter vínculos como condição de se relacionar não é exatamente liberdade, é a obrigação do não compromisso: é essa a sua amarra. Não precisar —diferente de não depender— do outro para se relacionar é contraditório (exceção aos adeptos da sologamia, pessoas que se casam com elas mesmas, com direito a cerimônia e tudo).

Ter sido traído, não querer ser magoado novamente ou ter medo do comprometimento emocional podem ser algumas das experiências que levam as pessoas a optarem pela agamia. Ou seja, são justamente os mais românticos, que esperavam muito do amor, que optam por não esperar nada dele.

Será uma desesperança? Uma incapacidade? Ou uma sabedoria?

Não existe um formato ideal de relacionamento, nem uma configuração única que caiba para todos. Em todos eles estão embutidos uma parte dos outros modelos, nem que seja no universo da fantasia. As dinâmicas são vivenciadas de maneira individual e única, mesmo por aquelas pessoas que seguem o mesmo modelo. Não há o certo e o errado, há o que funcione.

Assumir a responsabilidade pela própria felicidade não implica abdicar de se relacionar. Ter a capacidade e o prazer de ficar feliz sozinho, mesmo estando junto, é o melhor sinal de que o modelo escolhido é o ideal.

"A grande, a perfeita solidão exige a companhia ideal", Nelson Rodrigues.

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