Vigilante rodoviário

"Junto, Lobo!"

"Junto?! Pirou, Carlos? Olha só: passei anos ao seu lado, companheiro, obedecendo ordens e chamados, bastava assobiar, e veja só onde foi que você nos meteu. Não dá pra ver? Pelo amor de Deus, Carlos, abra os olhos. Só porque anda por aí fantasiado de Rambo, todo pimpão, acha que o país é seu? Veja bem a merda onde a gente está. Não tem comparação com nada —está escutando bem, Carlos?—, NADA do que já aconteceu de pior neste país. E sabe por quê? Pela miopia e a ganância de gente como você. É isso mesmo, Carlos, síndrome de capataz. Nunca ouviu falar? Pois é. Viu o patrão roubando, desmandando, abusando da lei, e achou que tinha chegado a sua vez. Também queria se dar bem, né? É humano. Mas logo você, que estava aí pra zelar pela lei. Ou não estava? Você me diga. Agora, olhe só que merda, Carlos. Você continua capataz. É. Porque o país encolheu à sua medida. Agora seu patrão, seu chefe, o bandido da hora, é seu colega de ontem. Isso. Você tá trabalhando pra bandido, Carlos, só que amigão. Oficialmente. Vai dizer que sempre trabalhou pra bandido e eu até poderia concordar com você. Mas em termos, né? Se não tivéssemos chegado a este novo patamar. Porque na hora que você ganhou independência e autonomia pra fazer cumprir a lei, que é que você fez? Jogou a independência no lixo e foi se aliar com a bandidagem dos seus ex-colegas de profissão transformados em patrão e em chefe. Corporativista. Você é cafona demais, Carlos! Eu sei que o ser humano é fraco. Você não ia continuar fazendo papel de bobo, vendo todo mundo roubar a sua volta. Melhor com amigo, né? Mas, Carlos, a gente também era amigo. Amigo fiel. Isso não se faz. Você pode estar cagando pra sua imagem, mas como é que fica a minha? E a criançada? Eu sei que você pensa pequeno e os problemas agora são grandes, não dá pra resolver sozinho, desigualdade social, racismo, concentração de renda, aquecimento global, o planeta explodindo, ameaça nuclear, a floresta pegando fogo, pandemia, a maior merda, melhor negar, ok, você não é o super-homem, mas passar pro outro lado, assim, na maior cara de pau? Defender desmatamento e garimpo ilegal? O que aconteceu com você, Carlos? Ou será que fui eu que não farejei direito? Achou que bastava porrada e uma visão tosca do mundo? Não teve colhão pra encarar a própria mediocridade, né? Pedir desculpa e tentar se superar. Muito esforço. Normal. Autocrítica é foda. Eu entendo. Mas e agora? Agora seu maior inimigo é quem quer se livrar da incompetência, da mediocridade e da bandidagem oficial. Isso. Você prefere acuar a população, ameaçar, destruir, pilhar, levar o país à falência, explodir tudo, pra defender a mediocridade no poder, a sua bandidagem, a sua incompetência, contra a inteligência e o bom senso, dizendo que é do bem. Patriota. Parabéns, Carlos, parabéns! Todo esse papo furado de ameaça comunista, de Deus isso e família aquilo, conservadorismo, bons costumes, tudo pra não perder a boquinha, né?! Tá com o bolso cheio? E eu aqui só na ração, assistindo calado a minha reputação ir pro ralo. Você me decepciona. Faça o que quiser, mas sem me envolver, por favor! Junto? Que que é isso?! Como é que você explica tirar dinheiro de criancinha, de gente morrendo de fome, deixar indígena à míngua de remédio pra sua turma comprar Viagra, Carlos? Surrupiar dinheiro de escola e hospital público só porque não dá mais no couro? Compensar a incompetência com um aumento na aposentadoria? Sério? Às claras? E depois botar tudo em sigilo de cem anos? Que novidade é essa? Liberdade? Quem não deve não teme. Quem é você pra sair por aí dando lição com o dinheiro do contribuinte, Carlos!? E a vergonha? Não? Nenhuma? Resolva seus problemas sozinho. É burro, incompetente e brocha? E eu com isso? Poupe-me. Acha que desfilar por aí com arma na cintura resolve? Espetada pra fora da janela do carro? Beleza. Mas não venha pedir bônus. Nem churrasco de primeira. O patrão não quer pagar o pato? É razão pra desfalcar escola e hospital de pobre? Porreta, Carlos, porreta. Vai melar as eleições pra bandido amigão não perder?! Cara de pau, hein? Jesus pode ser fiel, mas pra mim deu. Cresci, amadureci e você esse babacão imprestável de sempre. Chega, Carlos, vai ser burro assim no inferno!"

Ouvem-se tiros.

"Cachorro não fala. Não sou burro, Lobo! Cachorro não fala", diz o vigilante rodoviário, guardando a arma, depois de atirar no companheiro.

"Lobo não é cachorro, Carlos", responde o animal ileso, partindo para o ataque.