Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Mercados sensíveis e o protagonismo das expectativas

Às vezes, é preciso cuidar das expectativas, porque elas moldam a realidade

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As expectativas sobre os déficits fiscais e o balanço do governo têm dominado o noticiário econômico. Déficits altos levam a uma dívida maior e podem gerar prêmios de risco mais altos ou financiamento inflacionário no futuro. Isso afeta negativamente as decisões de investimento e, consequentemente, o produto da economia hoje.

Esse argumento, presente em todos os jornais, explica por que o dólar e os preços de ações reagem a mudanças nas expectativas sobre o equilíbrio fiscal.

É possível, porém, que essa seja apenas uma parte da explicação.

Bolsa de Valores de São Paulo após primeiro turno - Ernesto Benavides -3.mar.2022/AFP

Em algumas situações, expectativas sobre a economia podem ser autorrealizáveis. Essa implicação aparece em modelos econômicos baseados em pressupostos usuais e ortodoxos.

O mecanismo, de forma bem simplificada, é o seguinte:

Suponha que todos acreditem que os próximos anos terão baixo risco de crise de dívida (ou inflação), entradas substanciais de capital para investimento e crescimento do PIB robusto. Com essas expectativas, é fácil rolar a dívida a um custo baixo e atrair capital, o que traz boas perspectivas de crescimento. Com um PIB maior, arrecadamos mais e o risco de crise é bem pequeno.

Com o mesmo esforço fiscal, mas expectativas piores, teríamos menos entrada de capital, menos investimento, e um produto menor, gerando um maior risco de crise e prêmio de risco mais alto. Expectativas ruins levariam a resultados ruins, consistentes com as expectativas.

Claro, o déficit fiscal afeta diretamente as possibilidades de arrecadação, mas o ponto é que realidades diferentes, guiadas por expectativas distintas, podem ser possíveis com os mesmos fundamentos econômicos.

Essa é uma possibilidade teórica. Na prática, é difícil saber se um mecanismo desse tipo está operando. Mas a teoria oferece algumas pistas.

Uma implicação dessas teorias é que se os fundamentos econômicos são suficientemente bons (superávits fiscais, boa perspectiva de crescimento, risco muito baixo), esse mecanismo não opera. É preciso que estejamos numa situação em que o prêmio de risco (ou a expectativa de inflação) afete e seja afetado de forma substancial pelo resultado fiscal.

Numa situação dessa, em que realidades distintas podem ser possíveis, mudanças súbitas nas expectativas podem ocorrer e afetar a taxa de câmbio e o índice da Bolsa.

O mercado fica muito sensível.

E o que afeta essas expectativas?

Nos modelos econômicos, têm papel fundamental as informações que são amplamente difundidas, estampam as primeiras páginas dos jornais e chegam a todos. Mesmo que não tenham tanto conteúdo, essas informações afetam fortemente os preços de ativos.

Uma frase do presidente da república pode ter efeito maior nas expectativas que medidas concretas, mas difíceis de entender e menos difundidas.

O motivo é que uma informação amplamente difundida não afeta apenas o que eu sei: afeta também o que eu sei sobre o que os outros sabem. O que está na boca de todos e nas primeiras páginas dos jornais acaba coordenando as expectativas sobre a economia.

Em situações como essa, atos e palavras dos líderes políticos não só comunicam rumos de políticas públicas, mas também guiam sentimentos sobre a economia que afetam a própria realidade.

Nesse cenário, governar enfrentando expectativas negativas é viajar numa canoa furada, remando contra a maré. Então, discursos e medidas devem ser escolhidos com cuidado para coordenar expectativas de equilíbrio nas contas públicas e pouco risco macroeconômico.

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