O valor de uma ação nunca será negativo. Quem comprou ações da Lojas Americanas pode perder tudo que investiu, mas não corre o risco de perder seus bens para saldar as dívidas da empresa. Esse é o conceito de responsabilidade limitada, uma instituição fundamental das modernas economias de mercado.
Nem sempre foi assim. Leis de responsabilidade limitada se espalharam pelo mundo no século 19 e foram fundamentais para o desenvolvimento dos mercados de capitais. Menos gente compraria ações se não houvesse esse limite para a perda (igual a 100% do que se investiu).
Mercados de ações, por sua vez, são importantes para o crescimento econômico por financiarem empresas dividindo riscos. Eles possibilitam a execução de projetos inovadores, mas arriscados, que poderiam não sair do papel se o empreendedor não pudesse dividir o risco com pessoas desconhecidas.
Por isso, responsabilidade limitada é parte da infraestrutura que possibilita que o capital chegue aos projetos mais produtivos –assim como estradas e ferrovias possibilitam que produtos cheguem ao porto para exportação.
Contudo, leis que definem responsabilidade limitada não reduzem os riscos de um empreendimento; apenas determinam que o valor de uma ação não pode ser negativo. Então, se por um lado isso reduz o risco que corre o acionista, por outro lado isso aumenta o risco de um simples contrato de dívida.
Mais importante para a discussão do momento, leis de responsabilidade limitada podem criar incentivos financeiros perversos para os donos de uma empresa quando esta vai mal das pernas.
Para entender esse ponto, suponha que os ativos de uma empresa valham R$ 5 milhões, mas as dívidas totalizem R$ 5 milhões. Para o acionista, a empresa vale zero.
Suponha que a empresa possa vender rapidamente tudo o que tem por R$ 1 milhão, destruindo o valor do negócio, e distribuir o dinheiro aos acionistas. No geral, vender algo que vale R$ 5 milhões por R$ 1 milhão gera uma perda de R$ 4 milhões. Mas, pela responsabilidade limitada, esse R$ 1 milhão vai para conta do acionista, enquanto os credores perdem os R$ 5 milhões.
Um acionista que prepara e bota na mesa um banquete para sua pessoa física enquanto acende outro fogo e deixa tudo queimar na pessoa jurídica é um problema para a infraestrutura que permite o fluxo de capitais para projetos produtivos, assim como assaltantes nas estradas são problemas para a infraestrutura de transporte de produtos.
Os jornais têm noticiado a batalha entre os bancos credores da Lojas Americanas e seus principais acionistas. Tudo indica que a empresa não terá condições de honrar seus compromissos com os credores. E aí, os acionistas devem pagar a conta?
A lei 6404 de 1976 dispõe sobre sociedades por ações e começa afirmando que a responsabilidade dos acionistas será limitada ao preço das ações. Mas seu artigo 117 coloca que o acionista controlador deve responder por danos causados por abuso de poder. Exemplos disso incluem aprovar contas irregulares por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia sabidamente procedente.
Cabe agora à Justiça apurar se houve ou não um ato ilícito de algum acionista controlador. É isso que deve determinar quem paga a conta.
Para a maioria que não tem nenhuma ligação com a empresa, o importante é que a infraestrutura que suporta o funcionamento dos mercados de capitais não saia desse caso danificada. Tanto responsabilidade limitada quanto segurança contra atos ilícitos são parte importante dessa infraestrutura.
O bom funcionamento do mercado de ações impacta a economia como um todo e, portanto, afeta até quem nunca comprou ação.
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