Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Bernardo Guimarães

O que é ortodoxia em economia?

Ortodoxo é um péssimo termo para designar um grande e diverso grupo de pesquisadores

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A indicação de Marcio Pochmann para a presidência do IBGE causou polêmica e criou debates. Um deles foi sobre heterodoxia e ortodoxia na pesquisa em economia.

Há muita confusão nesse debate —o que não surpreende, dado que os termos ortodoxos e heterodoxos têm conotações bem diferentes do que de fato significam na academia.

Entrevista com o economista do PT Marcio Pochmann, no estúdio da TV Folha, em São Paulo - Eduardo Anizelli - 23.jul.2018/Folhapress

Pesquisa acadêmica, em qualquer área, se faz em grupo. Um trabalho isolado não tem significado. É o conjunto de artigos que constrói o conhecimento científico.

Nesse conjunto, há trabalhos com resultados distintos, levando a conclusões que apoiam políticas econômicas diferentes.

Para o grande público, deve parecer que a divisão entre ortodoxos e heterodoxos se dá pelo lado de cada um nesses debates. Por exemplo, os ortodoxos defenderiam o livre-comércio e cortes de gastos do governo, enquanto os heterodoxos sustentariam posições opostas.

Isso não é verdade. De forma alguma.

Eu, por exemplo, tenho um artigo sobre efeitos negativos do comércio internacional em países que exportam produtos primários, e outro que mostra um canal positivo de aumentos de gastos do governo sobre o PIB e a economia.

Ainda assim, na academia, sou 100% ortodoxo. Sem qualquer dúvida.

Não é verdade que ortodoxos e heterodoxos são acadêmicos com posições diferentes nesses debates. A verdade é que há um grupo, os tais ortodoxos, debatendo entre si, e outro grupo (ou outros grupos), os heterodoxos, em discussões paralelas. São dois mundos que mal se conversam.

Também não é verdade que ortodoxos falam sobre temas antigos enquanto heterodoxos estão antenados na realidade de hoje. Pesquisas sobre gênero, raça, distribuição de renda e meio ambiente, por exemplo, têm recebido grande atenção dos pesquisadores chamados ortodoxos.

Em um resumo de um parágrafo, em algum momento, um grupo de pesquisadores considera que artigos com certos métodos ou hipóteses não são suficientemente bons para serem publicados; outro grupo discorda e continua empregando aqueles métodos e hipóteses. Surgem então conferências e periódicos para esse grupo. Eis o nascimento de grupo heterodoxo.

Com o tempo, o abismo só cresce.

Quem está certo e quem está errado? Não há como ter certezas. Não há uma divindade entregando gabaritos.

No entanto, sabemos que são ortodoxos quase todos os professores dos departamentos de economia de quase todas as universidades estrangeiras de que o leitor da Folha já ouviu falar (MIT, Harvard, Chicago, Yale, Stanford, Oxford, London School of Economics...).

Sabemos também que, todo ano, alunos de todo o Brasil que querem fazer mestrado em economia prestam um único exame. Os primeiros colocados podem escolher estudar em qualquer escola.

Naturalmente, dentre esses, há gente com os mais variados interesses de pesquisa e inclinações políticas. Mas quase todos escolhem departamentos chamados ortodoxos. Tem sido assim há pelo menos 25 anos.
Quem quer dialogar com a comunidade científica precisa escrever na língua que todo o mundo entende.

Um artigo sobre taxação de grandes fortunas na Colômbia vai trazer lições importantes para o Brasil, a Turquia e a Tailândia. Por isso, praticamente todos os trabalhos relevantes do grupo ortodoxo são escritos em inglês. Pesquisa científica se faz em grupo, e há gente desse grupo no mundo todo.

No imaginário popular, ortodoxo brasileiro sempre teve cara de bandido. No dicionário, ortodoxo é quem segue estritamente as normas estabelecidas. É um péssimo termo para designar um grande e diverso grupo de pesquisadores.

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