Bernardo Guimarães

Doutor em economia por Yale, foi professor da London School of Economics (2004-2010) e é professor titular da FGV EESP

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Dolarizar seria boa solução para Argentina?

Dolarização pode ajudar a derrubar a inflação, mas gera sérios problemas a médio prazo

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Para enfrentar uma inflação anual perto dos 150% ao ano, o novo governo argentino pretende, entre outras coisas: 1) dolarizar a economia; 2) fechar o banco central.

Não sei o que significaria fechar o banco central. Sim, um país que não tem sua própria moeda não precisa fazer política monetária. Mas quem faria supervisão e regulação bancária? Não haveria mais operações de redesconto ou de mercado aberto? Quem cuidaria da compensação de cheques e coisas do tipo?

Por esses e vários outros motivos, países europeus que usam o euro têm seus bancos centrais. Há o Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt, na Alemanha, mas continuam existindo os bancos centrais da Espanha, da França, da Itália...

A sede do Banco Central Europeu, em Frankfurt - Kirill Kudryavtsev/AFP

No imaginário popular, extinguir um ministério significa dispensar os funcionários, vender os equipamentos e colocar uma placa "este imóvel está para alugar" no prédio do extinto órgão público.

Na realidade, ao menos no Brasil, pôr fim a um ministério não vai muito além de extinguir ou renomear um cargo de ministro. Talvez a ideia por trás da proposta na Argentina não seja tão diferente disso. O banco central não faria mais política monetária, mas suas outras funções continuariam sendo executadas da mesma forma por um órgão com outro nome. Espero que seja só isso.

Dolarizar a economia significa que as pessoas e as empresas passarão a usar o dólar para as transações do dia a dia. A proposta é deixar a população livre para usar e escrever contratos em qualquer moeda, mas, na prática, o dólar prevaleceria.

Cartaz em Buenos Aires com cotação do dólar em outubro de 2023 - Martín Zabala/Xinhua

Para dizer o mínimo, não é nada claro que a Argentina tenha condições de dolarizar no momento. Parte da discussão foca esse ponto. Seja como for, dolarizar é uma boa solução?

O principal benefício de deixar de ter sua própria moeda e passar a usar o dólar é o controle da inflação. Em geral, inflação está ligada a uma alta taxa de emissão de moeda —que, com frequência, tem sua raiz em déficits fiscais que acabam sendo cobertos pelo banco central. A Argentina não pode emitir dólares. Assim, o problema é cortado pela raiz.

Há, porém, custos. O primeiro, mais simples, é que emissão de moeda gera uma receita: as notas impressas pelo banco central são trocadas por algo de valor. No Brasil, com inflação estável de 3% ao ano, essa receita é próxima de 0,1% do PIB. Com a economia dolarizada, esse ganho iria para o banco central norte-americano.

Mais importante é que, com a economia dolarizada, a Argentina perde o controle sobre suas taxas de juros. Se os juros nos Estados Unidos sobem, o mesmo precisa ocorrer na Argentina —ou todos venderiam os títulos argentinos. Assim, juros em uma economia dolarizada oscilam ao sabor das flutuações da economia dos Estados Unidos —que podem não ter nada a ver com as flutuações na América do Sul.

Uma economia dolarizada não tem uma taxa de câmbio que se desvalorizaria quando suas exportações perdessem competitividade.

Esse problema contribuiu para a crise de 2011 nos países do sul da Europa. Esses países foram acumulando déficits na balança comercial. Se tivessem suas próprias moedas, estas se teriam desvalorizado, tornando importações mais caras e assim reduzindo o déficit na conta-corrente. O ajuste no câmbio teria colaborado para controlar o problema.

Derrubar inflação muito alta é difícil. A dolarização pode ajudar a conquistar esse objetivo, mas a médio prazo não é uma boa solução.

Para nós, fica o lembrete: é muito bom ter um regime de metas de inflação que funciona. Cuidemos.

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