Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Às vezes um amor de Carnaval só precisa entrar numa fria para acontecer

Como não ser solidário e lastimar essa acalorada abstinência de um país já tão sofrido?

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Nas condições normais de temperatura e pressão, eles passariam o feriado debaixo das cobertas, com ar-condicionado no talo. Cada um, porém, do seu lado da cidade. Dando um match perfeito sem saber, pois nunca haviam se encontrado. Afinal, Beto e Fernanda são tipos de uma espécie rara que ama folia, mas odeia calor. Logo, não pulam Carnaval.

Decretada a transferência emergencial do evento para abril, vislumbraram a mesma perspectiva de futuro. Quase um sonho secreto. "Outono? Ótimo. Inverno, ainda melhor."

Veja bem: ninguém estava ali para aguar a cerveja quente alheia. Como não ser solidário e lastimar essa acalorada abstinência de um país já tão sofrido? Não fosse por motivos de força maior —isto é: consciência e insolação—, os dois também embarcariam na fantasia coletiva.

Ilustração publicada na coluna de Bia Braune em 28 de fevereiro de 2022
Ilustração publicada na coluna de Bia Braune em 28 de fevereiro de 2022 - Marcelo Martinez

"Você não entende nada de festa popular", retrucou uma amiga dela, há anos fazendo #TBT das fotos de outros carnavais. "Verão sem bloquinho não existe! Há que se respeitar a tradição. Daqui a pouco é ovo de Páscoa no Dia das Mães", reclamou um amigo dele.

Assertivo, Beto desenvolveu argumentos. "Ziriguidum no frio engaja." O turismo ia bombar. Ainda mais famosas, as neves de São Joaquim abririam um portal do multiverso para uma Salvador paralela. Guaramiranga, a "Suíça Cearense", sambaria lindamente na cara do Brasil, tornando-se um hub internacional de esquindô, enquanto a malemolência de Olaf, naturalizado pernambucano, o alçaria ao posto de boneco gigante de Arendelle.

Fernanda, por sua vez, encontrou até um código secreto na letra de "Chiquita Bacana", do Braguinha. "Não usa vestido, não usa calção / inverno pra ela é puro verão". E mais: "Ao contrário do Natal, essa festa do imperialismo congelante, friaca carnavalesca é coisa nossa". Bastaria reinterpretar os looks pesadões do Mardi Gras de Veneza como uma homenagem ao Mascarado da novela "A Viagem".

Retomaríamos o glamour dos desfiles do Hotel Glória, com trajes que eram uma apoteose de Nabucodonosor em veludo e tafetá. Fazendo cosplay de Clóvis Bornay, seríamos luxo e originalidade em vagões de metrô, a caminho do sambódromo ou dos cordões alternativos. No verão, Baixo Augusta. No inverno, Augusta Abaixo de Zero. "Dez! Menos dez!"

Será? Fica no ar essa ideia, ainda que rarefeita. Para quando os termômetros e o destino puderem colaborar com outros Betos e Fernandas, que fogem do Sol, mas buscam o mesmo calor humano. Na folia, somos todos iguais. E às vezes, tudo o que um amor de Carnaval precisa para acontecer é que a gente se permita entrar de boa numa fria. Então congela o confete e separa um casaquinho.

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