Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bia Braune
Descrição de chapéu

Casa velha é que nem a gente depois dos 40, precisa de check-ups regulares

Cada martelada leva a uma expedição arqueológica própria e traz o receio de encontrar o tataravô de alguém emparedado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Só ontem o descobri, atirado atrás de uns livros e um par de luvas, o cartãozinho de visita. E logo me lembrei do agente imobiliário miúdo que veio duas vezes, querendo comprar meu sobrado para virar estacionamento.

"É... Será que chegou a hora?", pensei, entre baldes e panos de chão, enquanto tentava conter meu pânico e a água de chuva que escorria do ventilador de teto —praticamente uma ducha no meio da sala.

O arquiteto Le Corbusier dizia que toda casa é uma máquina de morar. Porém, quando tal máquina tem mais de um século, imagine os problemas que ela não dá. É por isso que quase ninguém entende por que cismo de viver num imóvel tão antigo e de beira de rua.

Colagem com fundo azul celeste, mostra casinha de onde sai um coração pela chaminé, desenhada com traços infantis, com florzinhas em volta, espremida entre diversos prédios.
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 31.jan.2022 - Marcelo Martinez

As confusões começam pela fachada colorida, que sempre confundem com a da casa de festas da esquina. Certa vez, tive de enxotar um palhaço muito do mal-encarado, que apareceu junto com um mágico para cobrar uma dívida. Milícia para baixinhos.

Piscina? A menos que você considere o dia em que um cano de ferro estourou no banheiro, criando uma Catarata do Niágara. Só faltou o Pica-Pau para descer num barril.

Convite à intervenção urbana, até minha porta de garagem já acordou com um "Não fui eu" escrito em letras garrafais. Achei conceitual, mas logo depois vieram "Nem eu", "Eu também não" e um imenso pênis com asinhas.

Casa velha tem disso. Que nem a gente depois dos 40, precisa de check-ups regulares. Cada martelada leva a uma expedição arqueológica própria, trazendo consigo o receio de encontrar o tataravô de alguém emparedado. E quando um amigo pergunta se tal patrimônio tem potencial para tombamento, eu peço pelamordedeus para nem dar essa ideia em voz alta. Aqui, literalmente, tudo pode acontecer.

"Arranca tudo e taca porcelanato!". "É, vem morar no meu prédio! Tem varanda gourmet". Eu poderia, mas é nessas horas que a professora da creche ao lado toca a campainha.

"E aí? Tá boa? Então: chegamos à lição dos cômodos!". Todo ano é assim. No que as crianças começam a aprender sobre o que é uma casa, sou invadida por uma nova excursão de carinhas muito curiosas. "Não tem jeito, elas pedem pra vir. Acham que é museu!".

Ao me lembrar disso, ainda passando rodo no chão, atirei convicta o cartãozinho para trás dos livros e das luvas, onde estava antes.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.