Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bia Braune
Descrição de chapéu

Como falar sobre CPF ajuda a entender a magia da matemática

Enxergamos padrões que conferem certo lirismo à aleatoriedade do existir e nos levam a jogar no bicho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A fila crescia em progressão aritmética. Atrás de mim, uma senhorinha mal-humorada bufava de ansiedade para digitar sua senha de quatro algarismos. Quando enfim cheguei ao caixa e consegui fornecer meu dados pessoais, fiz um comentário inocente. Despretensioso. Mais pensando alto do que elaborando uma tese.

"Curioso, isso. O CPF de vocês também é assim? Uma sequência de 7?" Pronto. Silêncio sepulcral. Pares de olhos me encarando. Antes, porém, que pudesse pedir perdão a Euclides e Pitágoras por ser uma triste figura de humanas comentando matemática numa agência de banco lotada, um falatório começou.

Na ilustração de Marcelo Martinez, algarismos são sobrepostos em cores diferentes, construindo e desconstruindo o numeral 142.857
Publicada na segunda-feira, 20 de junho de 2022 - Marcelo Martinez

"Cê acredita que eu sempre pensei nisso?" "O meu também tem um monte de setes!" "De onde vem esse número?" "E quem foi o 000.000.000-01?" "Enfim alguém mais idoso do que eu!", completou a senhorinha, já de ótimo humor.

Jamais imaginei que o Cadastro de Pessoa Física se tornaria um tópico tão animado de conversação. Pena é que, depois de certa pesquisa, descobri sua absoluta falta de glamour cabalístico. Dos 11 dígitos do CPF, oito são aleatórios. O nono tem a ver com a região onde vivemos (no caso do Rio, o famigerado 7) e o resto, bem, é gerado por algoritmo mesmo.

Burocraticamente falando, vivemos a falta de poesia dos códigos de barra, dos preços que não param de subir e do excesso de casas decimais à direita de nossas dívidas. Ainda assim, enxergamos padrões que conferem certo lirismo à aleatoriedade do existir. Do contrário, não nos agarraríamos a números da sorte nem sonharíamos com certas dezenas e faríamos uma fezinha no jogo do bicho.

Filha de professora de matemática, sempre fantasiei sobre a vida dos algarismos. Ainda criança, achava o 2 popular e casadoiro, pois formava pares. Primos, 5 e 7 eram os mais blasés. Numa cambalhota, 6 e 9 trocavam de forma, feito X-Men algébricos. Enquanto o 8, sedutor em seu corpão de violão, nos ferrava com a tabuada mais difícil.

No entanto, foi ao ler "O Homem que Calculava" que tive um estalo definitivo. Graças a Malba Tahan e seu personagem Beremiz Samir, o calculista persa que vivia aventuras engenhosas, descobri que matemática também é narrativa —e que tudo pode ser exato e humano. Racional e mágico.

Naquelas páginas de números inúmeros, encontrei até 142.857, meu favorito. Multiplicado por 2, 3, 4 até 9, ele gera várias surpresinhas misteriosas. Então experimente aí, você que me lê e também gosta de fazer conta. Na próxima fila, a gente puxa assunto e debate os resultados.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.