Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Ninguém precisa se sentir culpado, 'disque-bunda' é fenômeno reconhecido

Evento acontece quando sentamos no celular e ele liga para alguém ou atende chamadas sem percebermos

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Eu poderia ter resguardado minha dignidade e escolhido outro tema a ser desbravado com mais elegância, mas 
fatos são fatos. Esta semana, recebi um número impressionante de telefonemas de amigos. E na sequência, as mensagens habituais.

"Ai, desculpa!", "foi sem querer", "só encostei aqui". Queridos, calma. Ninguém precisa se sentir culpado, eu entendo perfeitamente. Não foram vocês que telefonaram: foi a bunda.

O fenômeno do "butt-dial" é real oficial há muitos anos, constando inclusive em dicionários como o de Cambridge. Acontece quando a gente senta no celular ou algo do gênero, daí ele chama alguém. De forma mais livre, eu traduzo como "disque-bunda". Afinal, para além de fazer ligações, ela às vezes também as recebe.

Na ilustração de Marcelo Martinez, um personagem com a cabeça em formato de nádegas telefona de um orelhão
Marcelo Martinez

"Alô, por favor, a Marina está?" "Quem gostaria de falar com ela?" "A bunda do André."

Veja bem: no tempo dos aparelhos de disco, isso seria impossível. Antes era preciso sentar no sofá, tirar o fone do gancho e esperar o maldito dar linha. Tendo à mão um caderninho com os números de todo mundo ou a maioria deles na cabeça, decorada. Acha que a bunda se daria a esse trabalho? Jamais. A bunda quer tudo facinho, na mão.

Engana-se inclusive quem acha que o touchscreen foi capaz de deter o disque-bunda. Não travou o celular direito? Já era. Sem um pingo de escrúpulo, assim que nos distraímos, a bunda vai lá e liga para os seus contatinhos. Na maioria das vezes, as últimas pessoas com quem gostaríamos de interagir: ex, tio negacionista, gerente de banco, agiota, crush que a gente stalkeia nas redes mas finge quem nem vê... Bobeou, ela atende até telemarketing com prefixo de Curitiba. E não adianta dizer que o 
dedo escorregou. Mesmo quando a bunda não telefona, é mentora intelectual.

Agora, nem tudo é inconveniência. Sempre que um dos meus melhores amigos acorda de mau humor e briga com alguém, o pessoal nem apazigua mais: entra no modo "senta e espera". No auge do climão, aparecem pelo menos cinco chamadas perdidas dele. Quer dizer, "dela". Não adianta nos tirar da discagem rápida nem nos apagar dos contatos. A bunda completa o que ele quer dizer. E no geral é "desculpa, vamos ficar de boa, não consigo não falar com vocês".

Pais e avós também são vítimas constantes do disque-bunda. Já que fomos perdendo o hábito de nos telefonar carinhosa e mutuamente, isso até colabora para a união familiar. E transforma a bunda em nosso anexo anatômico mais generoso e conciliador. Do seu jeitinho, ela nunca deixa ninguém para trás.

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