É uma espécie de maçonaria, mas sem o aperto de mão secreto. Sabemos nos reconhecer mutuamente, na crueza das vielas escuras, dos becos sinistros ou das lanchonetes vagabundas. Basta que um primeiro "tchssshhh" ressoe na escuridão. Depois outro. E outro. Até que ninguém possa calar nossas latinhas de refrigerante, abertas em uníssono.
A vida de adultos como eu, viciados nesse tipo de bebida, é uma eterna ressaca moral de sabor tutti frutti. E se você não tem estômago para o deleite de Tubaínas vida louca, aconselho que pare agora de ler este relato. Pode pular para a coluna do querido Sandro Macedo, com dicas tão boas de cerveja.
Somos considerados a escória líquida dos bebedores sociais. O chorume colorido. Sem a sofisticação dos conhecedores de vinho ou a descontração simpaticona dos tomadores de caipirinha. Humilhados nas baladas por aqueles que rotulam nosso paladar de infantil, enquanto nos julgam do alto de seus drinques com guarda-chuvas e espuminhas.
Dolorosamente sóbrios, personificamos a incômoda figura da caixa-preta, retendo na memória todos os vexames alheios. Incapazes, contudo, de justificar nossas doideiras em noites selvagens, regadas a Mate Couro e Abacaxi Convenção.
Dotados de papilas gustativas incompreendidas, porém deveras sensíveis, somos tão hábeis quanto enólogos ao analisar um delicado buquê com notas de chiclete Bolin Bola (especialidade de um amigo, connoisseur de tudo que é aromatizado artificialmente).
Ou o terroir típico de quintal de vó, onde são cultivadas as garrafas de Fanta Uva que tomamos estupidamente geladas nas festas de família.
Incapazes de enviar postais de algum tour por Mendoza ou pelo Napa Valley, da Toscana ou da região de Champanhe, geolocalizamos nosso mais borbulhante prazer no Ceará da cajuína e no Maranhão do diabolicamente delicioso Guaraná Jesus.
Até que chega o momento em que o excesso de açúcar e cafeína cobra seu preço, exigindo moderação nos check-ups. Passamos aos refrigerantes dietéticos, com notável dissabor. Chorando lágrimas de sangue —ou seriam de xarope de groselha?—, consultamos a carta de chás, de sucos verdes e, a mais terrível, de águas "flavorizadas".
Nessas horas, só penso no hit da Elizeth Cardoso. "Eu bebo sim e estou vivendo/ tem gente que não bebe e está morrendo." Então, se eu não aparecer por aqui na semana que vem, já sabe. Provavelmente estarei desfrutando de um doce ocaso —caída na sarjeta, de braço dado com o Dollynho.
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