Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune

Grande lição de Luluzinha é não se deixar abater por placas de menina não entra

Como não amar a menininha que, sem conseguir enviar uma carta, decide criar um novo país só para emitir seu próprio selo?

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Do alto da estante, ela me observa. Sem braceletes ou laço da verdade. Se perdesse o sapatinho marrom no baile, no dia seguinte teria de ir descalça à escola, fugindo do caça-gazeteiros. Com vestido vermelho, mas sem coelhinho. Frequentadora de outra turma, mas presidente do meu clube.

Aqui em casa, sempre foi incansável —sobretudo porque funciona a pilha. Eu a ganhei de aniversário, anos atrás, em forma de radinho garimpado por um amigo na feira de antiguidades da Benedito Calixto. Até hoje, um dos presentes de aniversário mais preciosos. A ponto de ocupar uma prateleira de honra, funcionando como oráculo quando me encontro num impasse. "O que Luluzinha faria no meu lugar?".

Criada pela Marge em 1935, a personagem vivia aventuras que já me representavam naquele Rio de Janeiro da década de 1980. Tínhamos a mesma faixa etária e imaginação fértil para artimanhas.

Na ilustração de Marcelo Martinez, Luluzinha, personagem criada pela cartunista norte-americana Marge, caminha, sem demonstrar emoção. Ao fundo, o clubinho "Menina não entra" está em chamas.
Marcelo Martinez

Na falta de poderes mágicos, ela era toda cachos e sagacidade. Eu, de cabelo lambido, não economizava admiração. Como não amar a menininha que, sem conseguir enviar uma carta, decide criar um novo país só para poder emitir seu próprio selo? E tendo o chuchu do Bolinha como seu vice.

CDF, sim. Subversiva, também. Lulu levava maçãs para Dona Marocas, mas a deixava louca ensinando xingamentos ao papagaio da professora. Ficou gigante, do tamanho que merecia, parodiando "As Viagens de Gulliver" e botando "Lulluput" no mapa de criancinhas que só pulavam elástico e jogavam bafo na hora do recreio.

Contudo, sem sombra de dúvidas, a grande lição da Luluzinha é jamais ter se deixado abater por plaquinhas de "menina não entra". Uma ideologia de gibi que me abriu os olhos, mais precisamente a partir da minha festa de oito anos.

Sem avisar a ninguém sobre o tema do evento, distribuí convites informando apenas data, hora e local. Chegando lá, os garotos se depararam com um bilhete na porta. "Entra geral."

Era um farto chá, a "Festa da Lulu". Maior revolução feminista já ocorrida no meu prédio. E posso falar? Naquele dia, todos os Atari permaneceram desligados. Fomos felizes juntos, por entre pacotes de wafer Mirabel, brindando em xicrinhas que transbordavam Ki-Suco.

E é por isso que, a cada aniversário, recarrego meu amor por esse ícone da infância. Troco as pilhas do radinho e o boto para tocar, embalada pelo sentimento de que nem todas, nem sempre, somos heroínas ou princesas. Somos mais Luluzinhas.

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