Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu

Sérgio Porto, que faria cem anos, ensinou gerações a ler crônicas às gargalhadas

Sujeito supimpa foi muso inspirador dos criadores de O Pasquim e tirou do tédio os que liam 'Iracema', de José de Alencar

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Foi uma trombada e tanto. Eu ali, distraída entre os olhos de ressaca de Capitu e os lábios cor de mel da virginal Iracema, quando uma velhinha contrabandista surgiu numa lambreta, me atropelando em plena biblioteca da escola.

Na colagem digital de Marcelo Martinez, elementos gráficos do material de promoção do Febeapá. Com destaque, a logotipia "Sérg100", misturando letras e números.
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune - Marcelo Martinez

Da mesma prateleira vieram em meu auxílio a Desinibida do Grajaú e a Desquitada da Tijuca, bem como Rosamundo, Primo Altamirando, dois amigos e um chato. O tipo de gente que, para respeitar o último desejo de um tio que vai ser enterrado com sua fortuna, passa um cheque e coloca dentro do caixão.

Ou seja, indivíduos da melhor espécie. Agregados fictícios que mantenho até hoje, incapaz de me recuperar daquele impacto literário. Existe uma regra de ouro entre os que escrevem para jornal, da mesma natureza dos clubes da luta: a crônica não fala sobre a crônica.

No entanto, como deixar passar o centenário de um mestre inovador do gênero, de humor debochado e contundente, à prova de cocorocas? Um sujeito de estilo tão supimpa que não coube em si, dividindo-se em dois. Sérgio Porto nasceu em 11 de janeiro de 1923.

Ex-bancário, quase arquiteto, um improvável, porém funcionalíssimo, boêmio workaholic. Já Stanislaw Ponte Preta, seu alter ego, surgiu em 1951, cronista no Diário Carioca. Intenso em tudo, inclusive no tocante a cardiopatias, Sérgio só viveu 45 anos. Stanislaw, por sua vez, segue firme.

Juntos, foram musos inspiradores daqueles que viriam a criar e consumir O Pasquim, ensinando gerações a gostar de ler --e ler às gargalhadas. Comédia enquanto biscoito finíssimo. Sempre nessa dobradinha com Stanislaw, Sérgio tirou chinfra também no rádio, no teatro e na TV —esta, apelidada por ele de "máquina de fazer doido".

Causando inveja à Marvel, originou um "pontepretoverso" repleto de almofadinhas, teteias e as icônicas Certinhas do Lalau, numa paródia ao colunismo raso do high society. Com pernocas de fora e maiôs recheados pelas mais generosas curvas, hoje seriam alvo de escrutínio não apenas do politicamente correto, mas da polícia do fitness, o que talvez lhes custasse um "rebranding" para "Erradinhas".

Contudo, nada mais atual que sua obra prima, o "Febeapá: Festival de Besteira que Assola o País". Hilário compêndio de leseiras, tosquices e absurdos envolvendo baixos funcionários, censores, políticos e sobretudo militares. Data de 1966, mas continua a retratar o Brasil bolsonarista. Um volume que nem o próprio Lalau gostaria de ver reeditado, cheio de novas páginas. "Mas imbecil não tem tédio", diria.

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