Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
Descrição de chapéu Obituário (1903 - 2023)

Instagram virou o Tinder no sigilo e LinkedIn à paisana

Este é um texto que é proibido para menores, por motivo de vergonha alheia e conflito geracional

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Do alto de seus 16 anos de sabedoria, Taninha, filha de uma amiga, foi categórica. "Quem dá coraçãozinho nos stories alheios tá dando mole." É mesmo? "E se o like for em alguma foto antiga do feed, aí é oficialização do mole. Todo mundo sabe disso." Sabe? "Nossa, em que planeta você vive?"

A questão não é em que planeta do espaço, mas em que dimensão do tempo. Idade, Taninha. Isso aí deve ser código de conduta teen, tal como usar a manga do moletom da escola cobrindo os punhos ou bater porta na cara dos pais, gritando "eu odeio vocês!". Não rola entre adultos.

Na ilustração de Marcelo Martinez: o ícone de curtir (uma mão fazendo sinal de positivo) vai sendo aproximado até mostrar, no detalhe do dedo polegar, uma carinha com olhar de segundas intenções
Marcelo Martinez

"Sabe nada, otária" foi a resposta que piscou unânime, floodando o grupo que mantenho para fins antropológicos de tretar e falar mal da vida alheia. Ao que parece, ninguém curte ninguém impunemente. Se deu coração, quer pegar. Complicado assim.

Só sei que me senti fichada. Acusada de um crime que não sabia ao certo se havia cometido. Afinal, vivo curtindo filhos, pets, gororobas e tênis fazendo esteira por aí. Sempre pratiquei o like laico, à guisa de estímulo virtual. De "continue assim, você é legal, que bom que estamos online, pois essa amizade no presencial seria bem mais chata de manter".

Até que fiz uma higiene mental rápida, deletando da memória todos os cookies da hipocrisia. Sim, já curti posts em avoada má intenção. Como quem aperta o botão errado e liga sem querer, no fundo querendo. Essa versão digital do "toca a campainha e sai correndo".

Quando é foto com sol batendo bonito no rosto, eu liko. Quando a pessoa arranja uma desculpa e uma legenda engraçada para uma selfie que tinha tudo para ser cretina, também. Sem roupa, só se as mãos forem atraentes. Post em espelho de elevador é que não, jamais. Stalkeamento precisa ter limites éticos.

Transformado em Tinder no sigilo, mas com pegada de LinkedIn à paisana, o Instagram criou um novo tipo de dúvida: é flerte ou networking? A pessoa está likando você pois deseja tomar um chope ou rifar algo? Descolar um freela ou partir para a devassidão? Quão genuínas são suas palminhas ou carinhas rindo? Quão imponderável pode ser o emoji do foguinho?

Sabendo que unfollow é a nova pulsão de morte, o que resta é levar nossas neuróticas arrobinhas para a terapia. Nos consultórios, em qualquer idade, é o que mais se ouve. "Acredita que Fulano parou de me visualizar? Pois recalquei, bloqueei. Chega de dar engajamento a boy lixo. Melhor curtir novos contatinhos." Sabe nada, otária.

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