Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
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Maria Bethânia foi a maior de todas as injeções de Botox em minha alma

'Quando você crescer e seu rosto espichar, sua testa vai diminuir', minha mãe garantia, enquanto cortava meu franjão

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Na matemática, proporção áurea é uma constante irracional que poderia ser encontrada naquilo que consideramos harmônico. Das colmeias aos vórtices das galáxias, das linhas retas do Parthenon às espirais de uma concha. Estaria na "Mona Lisa" e no "Homem Vitruviano", de Da Vinci —mas não na minha testa.

"Quando você crescer e seu rosto espichar, ela vai diminuir", minha mãe garantia, enquanto cortava o franjão que me serviu de escudo por toda a infância. Entre lágrimas e tufos de cabelo no chão do banheiro, aquela mentirinha inocente, benfazeja, porém tão gratuita quanto uma injeção na parte do rosto que motivou este desabafo.

Na colagem digital de Marcelo Martinez: Monalisa com uma longa franja rosa, disfarçando sua testa
Ilustração de Marcelo Martinez para coluna de Bia Braune de 13 de novembro de 2023 - Marcelo Martinez

No mundo das melancolias anatômicas, está na cara que sempre encontraremos defeitos imperceptíveis aos olhos dos outros, porém esteticamente doloridos quando observados em nosso espelho. Dotada de um outdoor frontal próprio, também passei muito tempo convivendo com a sensação de um arranha-céu entre o início do couro cabeludo e as sobrancelhas.

Coleguinhas cresciam altivas, com rabos-de-cavalo que puxavam todos os fios para seus imponentes cocurutos. E eu ali, domando minha inimiga anexa —agora no modelo "franjinha de Sandy e Junior"— embaixo de volumosa tiara de tecido da Pakalolo. A mais grotesca obra de engenharia capilar desde o advento do mullet.

Na época não havia internet, do contrário eu "googlaria" meu problema e descobriria a existência da frontoplastia. Procedimento cirúrgico que, numa repuxada radical, faz a testa descer todos os centímetros necessários.

Ou, quem sabe, encontraria paz de espírito ao ler sobre os preceitos da psicofisiognomia, supostamente utilizada desde os antigos egípcios para interpretar o que significa cada seção de nossas fuças.

No caso da testa grande, inteligência. Com ruga horizontal no meio, idealismo. Vertical, pavio curto. E pouco uso da capacidade intelectual, em se tratando das testas lisas demais.

O que me faltava, na verdade, era uma generosa e definitiva injeção de autoestima, não de Botox —algo que até hoje, décadas após o franjão da resignação, não experimentei.

Tendo o rosto acariciado, um dia entendi que meu imenso complexo não passava de proporcional bobagem. "Sua testa é sua fortaleza. O que seria da Maria Bethânia sem a dela?".

Fui redimida assim, por essa beleza tão mais ampla e irrestrita. Aquela que se expressa com o resto do rosto e do corpo, no cantar da abelha-rainha. A que "faz zum-zum na testa, zumbe na orelha, concha do mar". Na proporção exata.

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