Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Bia Braune
Descrição de chapéu

Tudo começou como a maioria dos estagiários, jovens e sem grana

E lá se vão 25 anos, tapeando diferentes empregadores e grata demais às minhocas que adubaram o caminho

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Como será que se chama aquele tom de azul da minha primeira carteira de trabalho? Royal? Klein? Anil? "O arco-íris não tem tantas cores sobrando, gente, vamos logo com isso que eu quero ir pra casa hoje."

Assim grunhia o diagramador, sempre que demorávamos a definir o matiz perfeito. Ou o número de toques exato para mais um título sobre microcrédito ou sistemas financeiros. "Tá bom, vão pensando aí enquanto eu rego as orquídeas."

No cartum de Marcelo Martinez, uma minhoca é içada por um anzol. Uma das minhocas que restaram na caixa de terra diz: "Parabéns pelo novo emprego!
Marcelo Martinez

Minha estreia no mundo profissional foi nessa base, junto à mais fina flor da comunicação corporativa. No último andar de um edifício que sediava a revista de economia Rumos (em letras garrafais) do Desenvolvimento (mais miudinhas).

O que por várias vezes me fez atender a telefonemas do tipo: "Alô? Húmus do Desenvolvimento? Quero anúncio da minha criação de minhocas".

Igual à maioria dos estagiários —jovens e ferrados de grana—, ocultei detalhes no teste para a vaga. "Você entende de macroeconomia?" Muito. "Leu os teóricos?" Tudo na mão. É claro que não estava. Eu mal sabia a regra de três, mas tinha boa gramática e um par de olhos e ouvidos. "Contratada."

Meu editor, veterano de cadernos culturais e conterrâneo do Roberto Carlos, me ensinou sobre a riqueza das nações, já tendo notado que eu era da balbúrdia. Tanto que, nas pausas para o cafezinho, falávamos sobre o que realmente importava: cinema e como o rei perdeu a perna.

Graças à secretária, aprendi a transcrever áudios com mais rapidez. Seu método me auxiliou com um figurão do Banco Central que tinha língua presa e dava entrevistas em ritmo de locutor de turfe. Aliás, achávamos uma pena aquilo não virar um batidão de rap.

Também treinei xadrez com o motoboy. Descobri a manha do arroz soltinho com a gerente do financeiro. E ainda me lembro do dia em que, após um pé d’água, formou-se um arco-íris imenso no céu. Sem qualquer hesitação, todas aquelas pessoas tiraram o telefone do gancho para contemplar em paz. Inclusive o diagramador. Embevecido com tamanha policromia, levou até uma das orquídeas à janela.

Ao sair de lá para uma redação maior e mais prestigiada, sem janela alguma, foi tão grande o meu medo de não ser aceita que, agachada embaixo da mesa, liguei para saber se teria o antigo posto de volta, caso precisasse. "Relaxa, tá tudo na mão. Pensa macro."

E lá se vão 25 anos, tapeando diferentes empregadores. Grata demais às minhocas, que adubaram o caminho.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.