Bia Braune

Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

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Bia Braune
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O pléc da amizade

Em que momento conseguimos criar um vínculo, depois de certa idade?

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"Parente é o amigo que a vida nos deu. Amigo é o parente que o coração escolheu." Melosa, porém verdadeira, cresci ouvindo esta máxima. Ideal para cartões de fim de ano, se ainda os mandássemos. Emails e Zaps sinceros vêm a calhar, lógico. O problema é de coração. Entre sístoles e diástoles da vida adulta, nem sempre conseguimos escolher novos amigos.

No cartum de Marcelo Martinez: um grupo de diferentes pessoas está em uma festa, bebendo e conversando. Vindo de cima da imagem, uma garra gigante, daquelas de máquina de pegar bichos de pelúcia.
Ilustração da coluna de Bia Braune de 27 de novembro de 2023 - Marcelo Martinez

Não que nos falte a predisposição gente fina. Eu mesma adoro praticar a curadoria de futuros ex-desconhecidos —inclusive em condições improváveis. Passeando em cemitério, numa procura conjunta pelo túmulo de Tarsila do Amaral. Disputando item raro no eBay. Rachando carona anônima em táxi. Ou com neve até os joelhos, ouvindo portugueses cantar Roupa Nova na Islândia.

Feito uma Blanche Dubois carioca, sempre gostei de depender da gentileza simpaticona de estranhos. Até que, numa evolução supostamente natural, precisemos ganhar intimidade. Aí o nível de dificuldade aumenta. Como naquela grua de bichinhos de pelúcia de shopping, você chega de boa intenção, deposita sua melhor ficha e... Tá todo mundo enrolado, preso a alguma coisa, fora do alcance.

Nas redes sociais, muito úteis aos desajustados da empolgação, basta um clique. O coraçãozinho responsável pela escolha é apenas um emoji que pulsa. Na vida real, o algoritmo analógico continua tendo que ser posto em ação. Ninguém, além dos solitários radicais, vai escapar dos churrascos de aniversário. Dos saraus com alguém lendo poesia meio pelado. Dos Carnavais com o calor que dificulta o arerê em grupo. Ou dessa que é a mais brutal das sociabilizações: o amigo secreto em dezembro.

Sei de uma criatura genial que mantém no meio da sala uma cama preparada —lençóis egípcios, travesseiros da NASA, edredom de penas de ganso. Não para fins de suruba, mas porque adultos com filhos, boletos e tarja preta nas ideias muitas vezes prefeririam estar de pijama na balada.

Apesar de tudo, confio no pléc da amizade. Aquele momento em que tudo se encaixa. Quando duas almas descalçam, juntas, o sapatênis apertado da rotina. E se reconhecem odiando a mesma rodinha de violão. Amando o mesmo hit dos Muppets. Rindo dos mesmos trocadilhos idiotas e tendo ranço pelos mesmos queridinhos.

A manivela analógica do algoritmo dos amigos sempre há de girar, não se preocupe. Temos só que estar atentos ao tal do pléc. Se vai ser fácil manter a nova amizade, aí é outra ficha. Então torça para o bichinho, digo, para o miguxo, não escapar.

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