Cecilia Machado

Economista-chefe do Banco BoCom BBM, é doutora em economia pela Universidade Columbia

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Mais um novo programa

Constituição não pode perenizar interesses particulares em detrimento do coletivo

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É natural e necessário reconsideramos nossas prioridades orçamentárias ao longo do tempo, especialmente para acomodar novos contextos econômicos e demandas sociais, incluindo a reformulação dos programas de assistência social existentes.

Muitas são as propostas agora discutidas, mas, em linhas gerais, todas caminham para uma expansão de gastos e precisam contar com fonte de financiamento equivalente.

Se, de um lado, a ampliação da arrecadação levanta questionamentos sobre distorções que mais impostos podem gerar, de outro, a realocação de gastos mexe em direitos específicos de variados grupos de interesse.

Construída de forma difusa e atomística, a atual alocação de transferências governamentais vem sendo implementada sem considerar, em seu conjunto, a sobreposição de objetivos e o baixo custo-efetividade de algumas políticas.

São inúmeras as possibilidades de realocações do Orçamento de forma mais eficiente e na direção dos que mais precisam.

Exemplos incluem o abono salarial, que incide sobre trabalhadores com carteira assinada, mas não sobre os informais; o BPC, que atribui peso maior à pobreza do idoso e do deficiente em comparação à pobreza das crianças no Bolsa Família; ou ainda os recursos distribuídos ao funcionalismo, que contam com salários e aposentadorias mais generosos que os demais trabalhadores da economia.

Ainda que benéfica, a realocação de gastos vem se mostrado inviável devido à perenização de diversas políticas públicas em texto constitucional.

São 30 anos de constitucionalização permanente, conforme análise de Rogério Arantes e Cláudio Couto. A tradução do texto constitucional em números é impressionante, sendo possível distinguir dimensões normativas de polity --regramento constitucional propriamente dito: neutro, amplo e genérico-- e de policy --políticas públicas (e muitas vezes, seus parâmetros específicos) dentro do texto constitucional.

Por essa métrica, a Constituição de 1988 já nasce com 30,7% de seu texto em dispositivos de policy. Em perspectiva comparada, a constituição mexicana de 1917, de inspiração socialista, contava com 17% de dispositivos policy, enquanto a portuguesa, de 1976, modelo para a brasileira, com 4,5%.

De lá para cá (2017), o texto constitucional cresceu 44%, e 80,5% dos dispositivos incluídos foram policy, resultando em um texto repleto de políticas públicas constitucionalizadas.

De forma importante, muito mais dispositivos policy foram incluídos (720) que excluídos (64). E grande parte das emendas incidiu sobre dispositivos policy, reforçando a necessidade de constante atualização de políticas públicas dentro do texto constitucional.

A evidência mostra que novas demandas sociais são frequentemente contempladas através de um novo programa constitucionalizado, enquanto programas incluídos no passado são raramente retirados. Mas a prática adotada, que cristaliza políticas públicas na Constituição e delega sua aplicação à justiça, leva a três efeitos econômicos indesejados.

Primeiro, torna permanente políticas públicas que eventualmente se mostram pouco eficazes, demasiadamente custosas, ou que perdem relevância ou aderência social ao longo do tempo.

Segundo, a sobreposição de objetivos elimina o foco de muitas políticas. No limite, transferências feitas a todos eliminam o caráter redistributivo das mesmas.

E, terceiro, a disputa jurídica pelas assistências não pode gerar direitos só para quem conseguem acessar os tribunais.

Usado sem parcimônia, o atual modelo começa agora a esbarrar em limites econômicos à sua expansão. Uma Constituição não pode perenizar interesses particulares em detrimento do coletivo. Direitos devem ser atemporais, políticas públicas, não

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