Cida Bento

Conselheira do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Cida Bento

Pandemia traz desafios especiais à educação quilombola

Temos que lembrar que comunidades quilombolas são sujeitos de direito, garantidos pela Constituição

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O relatório "Análise sobre a Educação Quilombola e o Censo Escolar", divulgado nesta semana, coordenado pela profa. dra. Givânia Maria da Silva, lança luz sobre os desafios para a garantia do direito à educação e cultura da população quilombola.

A partir de um universo de 275 mil estudantes, 51.252 professores e 2.526 escolas quilombolas no Brasil, o estudo revela dados fundamentais para o entendimento dos desafios que nosso país enfrenta no campo de uma educação básica qualificada e equânime.

Somente 21% das escolas quilombolas possuem biblioteca ou sala de leitura; no entanto, esses equipamentos estão presentes em 81,4% das escolas públicas estaduais e em 100% das escolas federais. Existem quadras esportivas em 95,7% das escolas federais, em 66,7% das escolas estaduais e em apenas 11,6% das escolas quilombolas.

Cidade de Monte Alegre de Goiás, onde vivem quilombolas kalunga; ao fundo, igreja e, em primeiro plano, palmeiras
Cidade de Monte Alegre de Goiás, onde vivem quilombolas kalunga - Pedro Ladeira/Folhapress

O estudo aponta ainda as dificuldades para consolidar nas escolas quilombolas a formação de professores e gestores com os elementos concretos e simbólicos da cultura quilombola, pois apenas 3,2% dos professores pesquisados fizeram esses cursos.

Se em tempos de pandemia se agravou o problema de reduzido acesso à internet e a equipamentos como computador e tablet por grandes contingentes da população brasileira, no caso das escolas quilombolas a realidade é mais preocupante, pois apenas 15% das escolas quilombolas tem internet para ensino e aprendizagem, como nos mostra o relatório liderado pela profa. Givânia, do projeto Quilombos e Educação.

Esse importante estudo foi um dentre os 15 projetos selecionados no edital Equidade Racial na Educação Básica, coordenado pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), em parceria com Itaú Social, Instituto Unibanco, Fundação Tide Setubal e Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Efetivar a educação quilombola é valorizar o patrimônio material e imaterial de um Brasil imenso e diverso, com singular e extraordinária riqueza, que é imprescindível numa perspectiva de desenvolvimento que conjugue cuidado com o meio ambiente e efetivação dos direitos humanos.

Temos que lembrar que as comunidades quilombolas são sujeitos de direito, garantidos pela Constituição Brasileira, onde está preconizado que é dever do Estado brasileiro assegurar os territórios dos quilombos, assim como proteger seus modos de viver, fazer e criar bens materiais e imateriais associados à identidade e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade.

No campo da educação, podemos destacar a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) alterada pela lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas do território nacional bem como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
na Educação Básica, de 2012.

Os quilombos são territórios de resistência e guardam a memória de um Brasil profundo complexo e cheio de desafios. Tanto a memória que o país quer lembrar e propagar quanto aquela que o país quer
colocar debaixo do tapete.

E o conceito de aquilombamento utilizado na atualidade por coletivos negros de artistas, pesquisadores e educadores remete a esse território de memória viva, sobre um legado histórico que é completamente diferente para as populações negras e brancas brasileiras, que vem lá do passado, é transmitido para as novas gerações, mas não é reconhecido como central na estruturação das desigualdades contemporâneas que vivemos.

E é nesse contexto que o papel das instituições públicas, do investimento social privado e o engajamento da sociedade civil podem fazer diferença para assegurarmos o direito à educação quilombola. Como cantavam Aldir Blanc e Maurício Tapajós "O Brasil não conhece o Brasil... o Brasil nunca foi ao Brasil".

Assim é que reconhecer e preservar o legado ancestral de mais de 56% da população brasileira é ajudar o Brasil a se encontrar com o Brasil.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.