Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin
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Política e torcida, os riscos da dissonância cognitiva

Troca de ofensas não é o melhor caminho para lidar com os problemas e riscos institucionais

Temos visto, nos últimos dias, processos de mobilização política e defesa de teses que têm sido descritos, pelos dois lados em que se divide o espectro de ideias no país, como permeados de dissonância cognitiva —atribuindo a insuficiência sempre ao outro lado. Ora, o que é mesmo dissonância cognitiva e quem, de fato, tem sido contaminado por essa moléstia?

Na verdade, consiste num processo que pode gerar uma forma de cegueira situacional que não nos permite ver o que é contrário ao nosso conjunto de crenças, ou, como colocava Leon Festinger, ocorre  quando, na busca de coerência entre o que pensamos e o que observamos, entramos em conflito interno. 

Para solucioná-lo, é tentador eliminar a informação dissonante, negando parte da realidade ou inventando uma explicação aparentemente lógica para o fenômeno.

Infelizmente, os dois lados padecem do mesmo mal. A preguiça mental de certa cidadania frágil leva a negar o que não se encaixa num arcabouço explicativo que busca ter respostas para tudo ou que nos é fornecido por líderes que pensam por nós.

Mas, infelizmente, o ser humano não é um sistema estruturado, e a vida em sociedade menos ainda. A busca de sistemas explicativos abrangentes não têm trazido soluções fáceis ou guias de ação para qualquer situação e menos ainda nos permite dividir a humanidade, de forma clara, entre os bons e os maus.

Troca de ofensas e mostras de virilidade, próprias de disputas de torcidas de futebol, certamente não são o melhor caminho para lidar com problemas e riscos institucionais tão graves como os que vivemos. 

Tampouco o são nossas tendências a sermos técnicos amadores de futebol ou juízes, num cenário em que, dependendo das preferências políticas, rábulas disputam pareceres jurídicos ou jurisprudências distintas.

Certamente, a sensação de injustiça deve ser expressada com contundência, assim como a de impunidade, mas uma cidadania crítica não deveria resultar em negação de diálogo com quem vê as coisas de forma diferente ou, pior ainda, com a própria realidade. Política não é torcida.

Lembro como a esquerda francesa se dividiu frente à revelação dos crimes de Stálin ou os maoistas quando começaram a ser divulgados os crimes da Revolução Cultural: muitos não quiseram acreditar, julgando ser estratégia diversionista da direita. 

Da mesma forma, alguns judeus, no início da ascensão do nazismo na Alemanha, louvaram a firmeza com que Hitler se opunha a partidos de esquerda.

Análise séria dos fatos e dos riscos que vivemos não farão mal a ninguém. Temos um futuro a construir enquanto ainda é tempo!

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