Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

Notas do Subsolo no século 21

Podemos nos tornar melhores com o tempo.

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Acompanhando redes sociais e pronunciamentos de alguns líderes no noticiário político, lembrei-me de uma obra menos conhecida do escritor russo Fiódor Dostoievski, as "Notas do Subsolo". O livro começa com um pretenso diário de um homem não nominado, que vivia isolado com seus pensamentos, para construir uma segunda parte em que ele interage com ex-colegas de juventude. Tanto num como no outro segmento da obra, um ser deplorável emerge, repleto de contradições, mas com um profundo orgulho de ser malvado e agressivo.

Sim, embates políticos podem acirrar, por vezes, os ânimos, e frases desnecessárias acabam sendo ditas. Mas um dos avanços civilizatórios que tivemos foi justamente aprendermos a controlar nossos ímpetos, falas e gestos. Para vivermos juntos em sociedade, é importante não destruir a individualidade —o que significa preservar a liberdade—, mas também evitar usá-la para causar danos desnecessários aos outros.
Estamos afinal na vida para nos aperfeiçoarmos como seres humanos. Não somos imutáveis e, diferentemente de robôs, que conosco competem por trabalho no século 21, podemos nos tornar melhores com o tempo. 

Na tradição de diferentes religiões, aparecem narrativas sobre a existência de uma "alma animal" e outra "espiritual" que residiriam dentro de nós. Nosso papel na vida seria "domesticar" a primeira para podermos viver bem em sociedade. Isso envolveria lidar tanto com nossas pulsões sexuais quanto com o desejo de destruir o próximo a cada frustração sentida. 

E nos humanizamos ao exercer certo controle sobre esses impulsos, que, eventualmente na infância de nossa existência na Terra, puderam garantir nossa existência e reprodução, mas que, ao deixarmos de viver em diferentes tribos hostis, só nos são úteis se bem dosados. O processo civilizatório envolveu um aperfeiçoamento das pessoas na direção da construção de um respeito pelos que vivem ou pensam diferente de nós.

Isso significa que a liberdade que tanto prezamos não pode ser a de sermos a "pior versão de nós mesmos", como deseja o homem do subsolo. Não podemos mais ofender com ódio quem de nós discorda, atribuir a correntes de pensamento todos os defeitos do mundo ou jogar na lama todas as conquistas civilizatórias.

Compartilhar espaços em países e no planeta significa abrir mão dessa aparente liberdade que, no fim, significa liberar nossos monstros interiores para que eles se destruam uns aos outros. E, neste caso, a nova geração, vendo o ódio como forma cotidiana de comunicação entre adultos, teria, no homem do subsolo, um modelo de ação.

O escritor russo Fiodor Dostoiévski (1821-1881) - Reprodução

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