Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Claudia Costin

De Gaulle e a biblioteca do meu tio

Queremos um mundo sem Vichy, sem nacionalismos cegos, sem novos '18 de brumário'

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Lendo a biografia de Charles de Gaulle, escrita por Julian Jackson e recentemente traduzida para o português, chamou-me a atenção o quanto ele lia e conversava com intelectuais do seu tempo. Mais do que isso, escrevia sobre questões que o preocupavam, em textos que evidenciam um líder conservador e autoritário, mas alguém que navegava bem em temas que iam da filosofia à importância de tanques motorizados nas guerras, passando por suas preferências literárias.

Ao me deparar, no livro, com autores da época, corri para minha biblioteca e eis que estavam quase todos lá, em obras que recebi de herança de um tio bibliófilo, um romeno que mudara para Paris no início dos anos 1930. Ao perceber, numa das visitas que lhe fiz, meu encanto por livros e literatura, deixou-me de herança as obras que reunira ao longo dos anos.

Em 1962, o presidente Charles de Gaulle e o ministro da Economia, Valery Giscard d'Estaing, no palácio dos Campos Elísios - AFP

Muitas delas são de personalidades que conviveram com o General, como De Gaulle era chamado por seus seguidores (e mesmo inimigos), como André Malraux, François Mauriac, Alain Peyrefitte, Raymond Aron e Soustelle, e de autores literários que o inspiraram, como Maeterlinck, Romain Rolland e Bernanos.
Meu tio não era gaullista, ao menos não um gaullista conservador, admirava Miterrand e me contava a rotina do ex-presidente socialista como quem saboreia histórias de celebridades.

Senti-me, ao me lembrar de nossas conversas e ver-me frente a frente com os livros citados na biografia, como alguém que visita o passado e consegue se apropriar do espírito do tempo. Dar uma espiada nas obras, no que pensavam diferentes escritores de um período histórico, permitiu-me compreender melhor o que deles herdamos.

Afinal, o que somos resulta do que viveram gerações antes de nós, e o fato de terem registrado o que pensavam, escrito sobre acertos e erros --embora De Gaulle fosse um pouco orgulhoso demais para admitir os erros que ele certamente cometeu--, permite-nos avançar a partir de suas experiências e construir nossos próprios caminhos e narrativas.

Daí a importância de também nós registrarmos, para o futuro, o que vivemos e, ao mesmo tempo, aprendermos com a história. Ninguém constrói e preserva avanços civilizatórios sem um constante diálogo com o passado e o firme propósito de se constituir em um ser humano melhor, num mundo aperfeiçoado.

Um mundo sem Vichy e seu presidente fantoche, sem nacionalismos cegos ou novos "18 de brumário" engendrados para se poder ter acesso a um poder sem limites e contrapesos. Mas, sobretudo, sem "governo como espetáculo" em vez de boas políticas públicas que promovam um desenvolvimento sólido, inclusivo e sustentável.

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