Claudia Costin

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

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Descrição de chapéu Enem Fies

A linha do tempo

Vivemos tempos estranhos, como se a Idade Média se esquecesse que já terminou

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Quando estava no início do ginásio, a professora de história começou o ano traçando uma linha e colocando datas em alguns pontos, como demarcadores de fronteiras. Acima de cada dois deles escreveu os nomes das eras correspondentes: Antiguidade, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea. Associou a cada data o fato causador da mudança de período.

Fiquei, lembro bem, pasma com estes eventos: o que teriam de tão significativo para simbolizarem tal transformação que nos levasse a mudar o nome da etapa histórica? À época não podia entender o que foi a queda do Império Romano ou, pior ainda, a tomada de Constantinopla pelos turcos que me pareciam tão inofensivos, ao menos, os que conhecera no Brasil. Ainda não ouvira falar do Império Otomano e menos ainda que, ao abrigar diferentes povos, isso fazia com que libaneses, albaneses ou até judeus fossem identificados genericamente com o nome de turcos por quem não lhes conhecesse a origem ou etnia.

Se me recordo disso agora é porque a linha do tempo da dona Elza manteve-se como um guia de contextualização. Toda vez que leio uma obra clássica, coloco-a mentalmente numa linha do tempo enriquecida com novas informações que me foram passadas pela excelente professora ou na minha aprendizagem ao longo da vida. Busco então identificar o sentido de alusões ou diálogos com a época em que o autor vivia. Para os iniciados, impossível ler Ulisses de Joyce sem essas referências.

Pensei nisso tudo ao ler "Os anos" de Annie Ernaux, recentemente laureada com o Nobel de Literatura. Trata-se, segundo ela mesma, de uma socioautobiografia, em que tenta recuperar suas lembranças em terceira pessoa, identificando simultaneamente o espírito de época, as dores, ilusões e frustrações de cada momento da vida da França combinados com seus próprios humores e desventuras. Para tanto retoma o fim da segunda guerra, a utopia europeia de Monet, os anos de Mitterrand, a virada do século e até o quase fim do pequeno comércio de bairro.

Eu também trouxe esta reflexão para o que vivemos hoje. São tempos estranhos, como se a Idade Média se esquecesse que já terminou e até os bárbaros (como chamávamos então os povos que tomaram Roma, numa perspectiva muito ocidental, admito) decidissem retornar em todo o furor.

Dona Elza ficaria certamente muito confusa com tudo o que se passa agora. O iluminismo, destacado por ela na linha ao introduzir a Idade Contemporânea ver-se-ia atacado de frente e uma regressão histórica precisaria ser explicada para os rostos atentos de 35 adolescentes extasiadas com a então suposta contínua evolução da humanidade.

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