Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci
Descrição de chapéu

No Carnaval da febre amarela, o Aedes é abre alas

Como era de se esperar, o surto de febre amarela já deu mote para o Carnaval. Nos blocos que saíram às ruas de São Paulo no último fim de semana, houve várias menções à doença, com fantasias de mosquito, de enfermeiros, de posto de vacinação e até da própria vacina da febre amarela.

A dificuldade para conseguir a imunização também serviu de inspiração para a turma do canal de humor "Embrulha para Viagem"

A verdade é que as mazelas em torno da febre amarela e das outras doenças transmitidas por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya, já são suficientes para enredo de escola de samba, bem ao estilo do saudoso carnavalesco Joãosinho Trinta (1933-2011), responsável por desfiles antológicos, como o Ratos e urubus larguem a minha fantasia, de 1989.

Após exibir riqueza no Sambódromo do Rio, ele mostrou muito lixo e surpreendeu o público com uma réplica do Cristo Redentor como mendigo. Depois de uma ação da igreja católica, a imagem foi proibida pela Justiça e teve que desfilar coberta por um plástico preto. Joãosinho, então, fez um cartaz escrito "Mesmo proibido, olhai por nós".

Mas como seria um desfile em alusão às arboviroses urbanas no Brasil? Na comissão de frente, abrindo alas, teríamos o protagonista de tudo, o Aedes  aegypti, ladeado pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes, vetores da febre amarela em áreas de mata (ciclo silvestre), que são as celebridades do momento.

Uma ala seria reservada às gestões públicas que diminuíram as despesas no combate preventivo a doenças transmitidas esses mosquitos. Somadas, as verbas para vigilância em saúde, que incluem as medidas preventivas e de controle das doenças, ficaram quase R$ 120 milhões abaixo dos R$ 334 milhões que eram previstos no Orçamento de 2017, considerando a capital paulista e a gestão estadual.

Nos carros alegóricos, haveria agentes de saúde de mãos abanando, sem veículos e materiais para fazer o controle de focos de proliferação do mosquito. Laboratórios e órgãos públicos sucateados também poderiam fazer parte da alegoria, assim como a falta de saneamento básico e o processo de urbanização caótico das grandes metrópoles, que propiciam esse círculo vicioso das doenças.

Os efeitos especiais ficariam por conta do fumacê. Embora já se saiba da sua ineficácia para o combate do Aedes, ainda é muito popular em várias prefeituras pelo efeito "psicológico" que causa na população.

Outra ala poderia representar o prejuízo causado por essas três doenças transmitidas pelo mosquito Aedes  aegypti. Só em 2016, quando houve perto de 2 milhões de casos de dengue, zika e chikungunya, o rombo nos cofres públicos foi de pelo menos R$ 2,3 bilhões, segundo estudo feito pela consultoria Sense Company.

O trabalho levou em conta os custos de combate ao mosquito, as despesas médicas para diagnóstico e tratamento das doenças e os custos indiretos, pela falta ao trabalho por causa da doença e consequente perda da produtividade.

As vítimas das três doenças merecem uma ala à parte. Famílias que perderam seus filhos para a dengue, mães que fazem a via-sacra em busca de terapias para suas crianças com microcefalia provocada pelo vírus da zika ou ainda mulheres que ficaram sequeladas pela febre chikungunya.

Não seria um desfile alegre, eu sei. Bem na verdade, é tanta tristeza que, em vez dos aplausos, haveria um longo silêncio na avenida. Mas seria uma ótima oportunidade para chamar a atenção dos brasileiros para a dimensão desse problema se arrasta por três décadas, que só cresce e que, ao que tudo indica, parece que já ter sido incorporado à rotina do país. 

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