Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Assistência médica prioriza lucro em vez de saúde, diz médica

Autora americana afirma que pacientes passaram a ser tratados como clientes e a agir como tal

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A queixa é frequente entre amigos e eu mesma já passei por médicos com claros conflitos de interesse na área em que atuam. Os mais frequentes são o comércio de produtos (ou a ligação direta com farmácias que os vendem), de procedimentos e de exames.

"Por que eu tenho que pagar por um ultrassom feito no seu consultório se meu plano de saúde me dá direito aos melhores laboratórios de São Paulo?", perguntei certa vez a um médico. "Porque eu só confio nos meus equipamentos e na minha equipe", respondeu ele. Nunca mais voltei.

Uma amiga me relatou que, ao sair da consulta com o nutrólogo, a secretária do dito cujo já tinha encaminhado uma cópia da receita para uma farmácia de manipulação "de confiança do doutor" pedindo orçamento dos produtos. O mesmo médico também recomendou reposição endovenosa de ferro e de vitamina D, ambas feitas no consultório e muito mais caras (um hematologista já tinha prescrito a reposição pela via oral, muito mais simples e barata). 

Outra amiga se queixou da consulta com a dermatologista. A médica mal olhou para ela e já indicou um procedimento a laser "antienvelhecimento", feito no consultório. Preço: seis salários mínimos.

Lembrei-me desses casos ao ler um ótimo texto indicado pelo médico Jairo Tabacow Hidal, com mais de 40 anos de profissão. Em "The Paradox for Docs", a médica norte-americana Debra Blaine, autora de " CODE BLUE: The Other End of the Stethoscope", lamenta que a prática da medicina tenha se tornado, em muitos casos, apenas uma mercadoria geradora de receita.

"A prioridade do nosso novo setor de assistência médica não é mais a saúde, é o lucro. E o modelo de negócios aplicado a nossos pacientes desavisados ​​tem um novo objetivo: como ganhar mais dinheiro. Nesse processo, os pacientes foram transformados em consumidores."

Ela trata especificamente do mercado de saúde americano. Mas no que diz respeito ao nosso setor privado de saúde, as situações começam a ficar bem parecidas. Uma das exceções (obrigada, Anvisa!) é que no Brasil não há permissão de publicidade direta de medicamentos ao consumidor.

"Agora, precisamos não apenas nos preocupar em diagnosticar e gerenciar com precisão doenças específicas, mas também devemos aplacar nossos clientes quando nosso tratamento não corresponder ao mais recente comercial de TV", escreve a médica, que atua na área de urgências e de medicina de família.

Segundo ela, muitos pacientes têm se tornado cada vez mais exigentes e difíceis de serem tratados. "Eles não podem ser totalmente culpados por reclamar da seleção de café na sala de espera ou pelo fato de terem que esperar para tomar a vacina contra a gripe só depois do atendimento de uma emergência cardíaca."

Blaine afirma que quando os pacientes são tratados como "clientes", não é surpresa que eles comecem a agir como tal.

"Conveniência é um valor fundamental na experiência comercial americana. E nos negócios, o cliente está sempre certo, mesmo quando sua opinião entra em conflito com a sólida prática médica. E se o cliente quiser antibióticos para uma infecção viral? Uma ressonância magnética duas horas após uma lesão no ombro? Três consultas em uma semana para os mesmos sintomas de gripe que não devem ser resolvidos por até dez dias?"

Como vamos resolver isso?

Para a médica, precisaria haver uma reforma geral no setor da saúde. A Big Pharma precisará reduzir seus custos e distribuir medicamentos hoje proibitivos a um preço mais razoável. Os capitalistas de risco que escolheram a medicina como veículo para se tornar bilionários teriam que se contentar com muito menos.

Por outro lado, diz ela, os pacientes precisarão ser reeducados em relação às suas expectativas médicas. "Nem toda queda requer uma ressonância magnética. Nem todo corrimento nasal afebril exige uma visita ao médico e certamente nem sempre justifica antibióticos. Às vezes, o paciente precisa ser paciente para resolver as coisas."

Na conclusão, ela traz conselhos um tanto quanto utópicos, mas que fazem bem aos olhos e ouvidos de quem, assim como eu, defende os princípios de universalidade, integralidade e equidade de um sistema de saúde. Diz que é preciso alocar melhor os recursos de saúde para que aqueles com sérios problemas de saúde possam obter os procedimentos, medicamentos e cuidados necessários. "Não podemos continuar tratando a medicina como uma indústria com fins lucrativos."

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