Cláudia Collucci

Jornalista especializada em saúde, autora de “Quero ser mãe” e “Por que a gravidez não vem?”.

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Cláudia Collucci

Cuide-se mais em 2020 para ter condições de cuidar do outro

Campanha em SP estimula que pessoas doem parte do seu tempo a cuidadores não profissionais

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Camila cuida da mãe, Anne, diagnosticada com câncer de ovário aos 40 anos, seguido de metástases no fígado e no baço. Com 17 anos, a filha trancou a matrícula na faculdade quando soube da doença de Anne. "Ela abdicou da vida dela para cuidar de mim. Conseguiu me ver no pior momento da minha vida e não ter medo", diz a mãe.

Gustavo cuida de Pamela, que tem esclerose múltipla. Eles começaram a namorar quando ela já convivia com a doença, diagnosticada aos 18 anos. Pamela tem problemas de visão decorrentes de complicações da esclerose múltipla. Durante as crises, ele é os olhos e o guia da namorada. "O bem-estar dela é o meu bem-estar", diz Gustavo.

campanha estimula doação de tempo a cuidadores
Camila cuida da mãe Anne, com diagnóstico de câncer de ovário metastático - Ravena Rosa/Divulgação

Ambas as histórias estão em uma exposição fotográfica em São Paulo chamada "O Tempo Importa", que acontece na linha 4-amarela do metrô: na estação Paulista até o dia 7 de janeiro; na estação Luz, do dia 7 ao dia 31 de janeiro.

As fotos, assinadas pela fotógrafa Ravena Rosa, trazem registros do dia a dia de pacientes e seus cuidadores com o objetivo de incentivar pessoas que convivem com cuidadores não profissionais a doarem seu tempo para ajudá-los. A iniciativa faz parte do projeto Embracing Carers, apoiado pela Merck.

A proposta é que as pessoas perguntem a conhecidos e amigos como podem ajudá-los em suas atividades diárias, por exemplo. Várias pesquisas demonstram que esses cuidadores estão vulneráveis a sintomas como depressão, fadiga, frustração, redução de convívio social e diminuição da autoestima. A sobrecarga física e emocional também gera sentimentos de raiva, ressentimento e amargura.

Uma pesquisa internacional realizada pelo Embracing Carers com 3.516 cuidadores não remunerados, com idades entre 18 e 75 anos, mostrou que 47% deles têm sintomas de depressão. Mais da metade (55%) sente que a saúde física ficou mais debilitada em razão da função. Dizem não ter tempo, por exemplo, para marcar ou comparecer a consultas médicas para eles mesmos.

Qualquer um pode participar do projeto visitando o site embracingcarers.com para registrar o tempo doado e compartilhar experiências pessoais. 

campanha estimula doação de tempo a cuidadores
Gustavo cuida da namorada Pamela, quem tem esclerose múltipla - Ravenna Rosa/Divulgação

É muito importante para chamar atenção para esses cuidadores invisíveis que sacrificam o próprio tempo e energia para cuidar dos seus entes queridos. Embora existam iniciativas bem-sucedidas, como o ambulatório de cuidadores da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), elas ainda são poucas e isoladas. E nem sempre o cuidador consegue tempo para frequentar as atividades propostas.

Por isso é importante que a sociedade se envolva também. E um dos caminhos é a gente olhar para as pessoas próximas que precisam de ajuda. Em países desenvolvidos, cuidar de quem cuida já faz parte de políticas públicas.

Em Portugal, por exemplo, o governo garante ao cuidador três meses intercalados de férias por ano. No período, o idoso doente fica sob cuidados de uma instituição paga com recursos públicos.

No Brasil, é comum vermos idosos cuidando de outros idosos. Em São Paulo, quase 40% das pessoas que cuidam de idosos doentes são também idosas, que tendem a negligenciar a própria saúde, podendo, às vezes, morrer até antes de quem está cuidando.

A qualquer momento da vida a gente pode ser surpreendido pela necessidade de cuidar de alguém ou de ser cuidado por alguém. Nessas horas, faz toda a diferença contar com pessoas amigas que se dispõem a ajudar mesmo sem serem solicitadas para isso, muitas vezes até antecipando as nossas necessidades.

Durante o período de terminalidade da minha mãe, ganhei três inesquecíveis horas doadas por minha amiga Eliana e sua mãe, dona Cida. Enquanto faziam companhia para a minha mãe, pude correr até a minha médica e fazer uma longa sessão de acupuntura para aliviar as dores do físico e da alma.

Foi a primeira vez durante o processo em que pude chorar copiosamente, coisa que até então evitava fazer perto de mamãe, ainda muito assustada com o câncer devastador. Depois do choro, pude dormir pesadamente durante uma hora, após semanas de noites insones.

Em outras ocasiões, Ana Estela nos presenteou com uma deliciosa canja de galinha. Bia apareceu em casa com bolachinhas de nata e Janice com um fortificante caldo de carne. Por fim, Rosângela, com suas mãos de fada, ia semanalmente aplicar massagens a mim e na minha mãe, trazendo bem-estar para aqueles dias tão doídos. Gratidão eterna a essas amigas.

Que neste novo ano a gente possa cuidar ainda de nós mesmos para, assim, ter condições de enxergar e cuidar mais do outro. Feliz 2020! 

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