Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Quando o certo é impossível

É curioso: os chavistas mais radicais e os antichavistas também radicais chegaram, cada um por seu caminho, a conclusão idêntica –sem mudança de rumo fundamental, o presidente Nicolás Maduro estará fora do jogo mais cedo do que tarde.

Do lado dos chavistas saudosos do fundador do movimento, leia-se Freddy Peña, no sítio "Aporrea", no qual se manifestam os revolucionários venezuelanos:

"Aqui, até que não abarrotem as prateleiras com os produtos alimentícios da cesta básica e os remédios muito necessários, estaremos dando em bandeja de prata à oposição uma saída do presidente Maduro pela via do referendo [revogatório de seu mandato]."

Do lado da oposição, leia-se o presidente da Assembleia Nacional, Henry Ramos Allup, em entrevista à agência Reuters:

"Nesta situação, não creio que termine seu mandato; a crise o está engolindo."

Os dois lados diferem, como é óbvio, no diagnóstico das causas da crise: os chavistas compram a tese de que há guerra econômica, em que só eles ainda acreditam, ao passo que a oposição aponta para a absurda incompetência do governo.

Mesmo um radical como Peña, no entanto, se atreve a tocar em um dos ícones dos programas sociais chavistas (a versão local do Minha Casa, Minha Vida). Sugere suspendê-la para preservar recursos para outras prioridades.

"Nosso povo saberá compreender [a suspensão do programa], mas, com o estômago vazio e as angústias que temos que calar para levar o alimento a nossas casas, não se pode viver."

Poderia acrescentar a angústia para encontrar remédios, que chegou a tal ponto que a Assembleia Nacional declarou "uma crise humanitária de saúde" no país, pela escassez de medicamentos e de equipamentos médicos e pela deterioração das instituições sanitárias públicas.

Mas, atenção, a declaração foi endossada apenas pela oposição, hoje majoritária (109 em 167), contra a posição dos 54 deputados governistas.

Fica claro, pois, que o governo não parece ter entendido a mensagem das urnas de 6 de dezembro, em que foi claramente derrotado, nem ouve a voz dos radicais de seu lado, que defendem avançar rumo à estatização ainda mais ampla.

Fica no meio do caminho, aparentemente perplexo.

É nesse cenário que o Itamaraty recebe nesta sexta-feira (29) a chanceler venezuelana, Delcy Rodríguez.

É óbvio que a crise estará na agenda, embora o Itamaraty prefira dar à visita um caráter mais burocrático-operacional. Exemplo: discutir a necessária aprovação venezuelana, como integrante do Mercosul, para negociações bilaterais entre Brasil e Colômbia.

Outro exemplo: a situação das empresas brasileiras que operam na Venezuela e não podem remeter seus lucros para as matrizes.

Sou capaz de apostar que o Brasil dirá à chanceler o mesmo que vem dizendo, de público, a ministra argentina do Exterior, Susana Malcorra: é preciso buscar o diálogo entre o governo e a oposição para enfrentar a tremenda crise.

É o caminho da sensatez. Pena que pareça impraticável porque oposição e governo não falam a mesma língua.

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