Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

Colômbia, sem guerra mas sem paz

Eleição de domingo põe em risco o acordo que calou as armas

De calça jeans e camiseta azul, homem está sentado olhando para um livro; no banco em frente a ele no teleférico não há ninguém. Pelas janelas é possível ver dezenas de casas de tijolo de uma favela e um outdoor de Iván Duque à esquerda, pendurado no telhado de uma delas.
Homem lê enquanto teleférico passa perto de anúncio do candidato direitista à Presidência da Colômbia Iván Duque em Medellín - Joaquín Sarmiento/AFP

A Colômbia faz neste domingo (27) a primeira eleição presidencial depois do acordo que pôs fim a 50 anos de uma devastadora guerra contra as Farc (Forças Armadas Revolucionária da Colômbia, agora transformadas em Força Alternativa Revolucionária do Comum).

Vota, portanto, em paz, ainda mais que o outro grupo armado (Exército de Libertação Nacional, ELN) decretou uma trégua durante o processo eleitoral.

Claro que é uma paz apenas relativa neste mundo cada vez mais violento e conturbado. Mas, assim mesmo, há elementos que indicam uma situação menos problemática na comparação com anos eleitorais anteriores.

O número de homicídios, por exemplo: foram, em 2017, 24 por 100 mil habitantes, o mais baixo em 42 anos. No Brasil, foram 27,8/100 mil (em 2016), ambos os dados extraídos do Instituto Igarapé, precioso centro de pesquisa sobre violência.

É claro que não foi apenas o fim da guerra que determinou a redução das mortes. Houve vários programas, em geral municipais, que ajudaram a conter a sangria. Mas o fim dos combates tem peso óbvio.

A revista Semana informa, por sua vez que, de acordo com pesquisas, os assuntos de segurança passaram ao segundo lugar nas prioridades, e os votantes têm mais interesse nas propostas eleitorais sobre como combater a corrupção e como melhorar a gestão governamental em temas como saúde, educação e emprego.

Ou, posto de outra forma: a Colômbia de uma guerra que parecia eterna é agora um país com as mesmas inquietações dos países em desenvolvimento.

O paradoxal nesse ambiente menos anormal é o fato de que a eleição põe em risco o processo de paz. O candidato que lidera as pesquisas, Iván Duque, é um afilhado político do ex-presidente Álvaro Uribe, um crítico virulento do acordo de paz.

Há um razoável consenso de que as pesquisas na Colômbia não são confiáveis, mas um dado concreto reforça o favoritismo de Duque: nas primárias de março, a direita recebeu 6 milhões de votos para seus três candidatos, ante apenas 2,8 milhões de Gustavo Petro, o único candidato da esquerda e seu maior rival.

É verdade que Duque vem moderando suas posições, distanciando-se algo de seu mentor e padrinho Uribe.

Ainda assim, vale o que diz Juan Gabriel Tokatlian, do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade Torcuato Di Tella (Argentina), com vasta experiência no estudo do conflito colombiano:

"Com Duque, o acordo de paz se manterá de certa forma, mas, na prática, haverá a morte nítida dos maiores compromissos que o Estado assumiu ante as Farc e ante a comunidade internacional".

Já o esquerdista Gustavo Petro certamente manterá o acordo tal como está, mas sua dificuldade virá por outro lado. "Todo o establishment estará contra, o Congresso, as cortes jurídicas, os empresários, os meios de comunicação, muitos prefeitos e governadores, farão de tudo para impedir que as propostas de Petro, boas, más ou regulares, possam ser levadas a cabo", escreve para o sítio La Silla Vacía Héctor Riveros Serrato, especialista em direito constitucional. Em qualquer caso, a paz recém-conquistada correrá riscos.

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