Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O socialismo não morreu (ainda)

Mas a hora parece ser da extrema direita

A candidata democrata Alexandra Ocasio-Cortez em evento em Nova Orleans (EUA)
A candidata democrata Alexandra Ocasio-Cortez em evento em Nova Orleans (EUA) - Jonathan Bachman - 4.ago.18/Reuters

O socialismo está bombando estes dias. Calma, não puxei a frase de algum boletim da inexistente Ursal. Ela pertence à Brooke Masters, autora da newsletter de Opinião do Financial Times, uma das grandes bíblias do liberalismo (e também do jornalismo).

Ela cita como socialistas em destaque Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista britânico, e, nos EUA, Alexandria Ocasio-Cortez e Rashida Tlaib, que ganharam primárias no Partido Democrata para as eleições legislativas de novembro.

Poderia ter citado, como fenômeno esquerdista mais recente ainda, a vitória de Andrew Gillum nas primárias dos democratas para escolher candidato ao governo da Flórida. Ele é prefeito de Tallahassee, e o New York Times o descreve como "progressista sem rodeios". Vai enfrentar o republicano Ron DeSantis, firme aliado de Donald Trump. Se ganhar, será o primeiro negro a governar o estado e dará algo mais de consistência à tese de que o socialismo está bombando.

Há até uma pesquisa, feita pela GenForward, associada à Universidade de Chicago, outro bastião liberal, em que o socialismo se sai relativamente bem no público de 18 a 34 anos consultado entre fevereiro e março passados.

Indagados sobre a opinião que tinham do socialismo, 45% do total da amostra (1.845 pessoas) disseram que pensavam nele de maneira muito favorável ou razoavelmente favorável. A maioria (52%) dizia o contrário: tinham opinião muito ou razoavelmente desfavorável.

Mas é um placar interessante quando se lembra que socialismo sempre foi palavrão feio nos EUA. Tão feio que quem é de esquerda por lá prefere o rótulo de liberal. Quando a divisão se dá por raça ou origem, asiáticos e latinos manifestam visão mais favorável que desfavorável ao socialismo (49% a 40% entre os asiáticos e 48% a 46% entre os latinos).

A pesquisa não permite uma visão muito clara do que os consultados entendem por socialismo. Mas uma das perguntas oferece resposta majoritária (62%) a favor da tese de que é melhor "um Estado forte para lidar com os complexos problemas econômicos de hoje". Só 35% cravam o "livre mercado" como o mais capacitado para tratar de tais problemas.

Os dados da pesquisa autorizaram o colunista Martin Sandbu (Financial Times) a dizer que os "novos socialistas" entendem por socialismo "a social-democracia escandinava, com políticas como universalização do atendimento à saúde e melhores condições para os trabalhadores".

É provável que Sandbu tenha razão. Tenho pelo menos um dado para crer nessa hipótese: na campanha presidencial de 1994, acompanhei Luiz Inácio Lula da Silva a um debate na sede da social-democracia alemã. Quando entrávamos, ele me disse que, se o Brasil chegasse perto do que a social-democracia conseguira, já estaria de bom tamanho.

Claro que Lula nunca foi socialista, mas seu partido, no manifesto de fundação, fulminava o capitalismo.

Pesquisas e opiniões à parte, tenho a impressão de que a frase "o socialismo está bombando" é um ponto muito fora da curva. Bombando estão partidos de extrema-direita, mundo afora e, agora, aportando no Brasil. É a primeira eleição brasileira desde a redemocratização em que um de seus porta-vozes aparece com grande destaque.

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