Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes

O PIBB que se exploda

Crescimento econômico de qualidade requer âncora civilizatória

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O crescimento de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no trimestre despertou entusiasmo em pibólatras do governo e do mercado. Por autointeresse ou cegueira voluntária, continuam sem ter muito a dizer sobre o Produto Interno da Brutalidade Brasileira (PIBB). Este avança sob o ímpeto vingativo do bolsonarismo.

O PIBB registra a cota de incivilidade da nossa vida real: recordes mundiais em homicídios, crimes de ódio, encarceramento, violência estatal e social. Ilustra o Brasil que castiga, mata e deixa morrer; que intimida, lincha e esculacha; que vigia, delata e persegue; que reprime a liberdade e a diferença. É um índice que ainda não aprendemos a expressar na linguagem econômica, dada a intangibilidade e incomensurabilidade de suas variáveis.

Essa difícil contabilidade busca estimar nosso déficit em direitos, tolerância cívica e institucionalidade democrática. A nossa dívida constitucional, enfim. A expansão do PIBB se constata numa sucessão de fatos recentes. Não são casos anedóticos isolados, nem mera continuidade de padrões históricos. Essa onda é distinta e pertence à “nova era”.

As vítimas do PIBB são sujeitos que habitam as periferias da sociedade (negros, mulheres, homossexuais, pessoas com deficiência, indígenas), da geografia (subúrbios, favelas, prisões, zonas rurais, florestas) e da política brasileiras (professores, cientistas, artistas, militantes). 

Dos meninos de Paraisópolis e do Complexo do Alemão aos índios da Amazônia; do disque-denúncia de professores à demissão de cientistas por pesquisas inconvenientes; da autorização para a polícia atirar em protestos à tortura das prisões; da exclusão de pessoas com deficiência da escola regular e do mercado de trabalho, o bolsonarismo faz recrudescer, com método renovado, o vasto repertório do PIBB.

A pibolatria permanece indiferente e sem crises de consciência. Na melhor das hipóteses, entende que o crescimento do PIB mitigará o PIBB por força da natureza. Na pior, sugere o AI-5. A indignação moral e argumentos abstratos sobre justiça não serão suficientes para reagir a esse modo de entender os problemas do país.

Há forma mais objetiva e pragmática de apontar o erro. O PIB é indicador inapropriado de performance econômica, de progresso e de bem-estar. Assim já concluíram não só Nobéis de economia, mas o Banco Mundial, o Fórum Econômico Mundial, o FMI, a revista The Economist etc. Sob a perspectiva do PIB, não foi possível explicar a crise de 2008. Muito menos a emergência do populismo autoritário ao redor do mundo.

A pibolatria esconde que o PIB é só um meio, não um fim, e que esse meio não consegue captar bem-estar e qualidade de vida. O truque da pibolatria é converter esse meio que não mede a coisa certa num fim em si mesmo. Crescimento econômico de qualidade requer âncora civilizatória. Precisa saber como cresce e quem ganha com isso.

Desempenho econômico e desempenho constitucional devem caminhar juntos. Do ponto de vista do interesse público e de longo prazo, revigoram-se mutuamente. O atalho da degradação institucional revela a força de interesses privados de curto prazo. Pesquisas econômicas vêm apontando para essa correlação entre respeito a direitos e crescimento, apesar dos casos que fogem ao padrão, como o chinês.

Não é preciso ser gênio econômico para fazer o PIB crescer junto com o PIBB. Essa é uma tarefa elementar, de cartilha. Elementar e produtora de imenso sofrimento e mal-estar que depois cobrarão sua fatura. No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), para tomar um exemplo alternativo ao PIB, o Brasil está caindo.

Bolsonaro é um inovador. Em vez de jogar o PIBB para debaixo do tapete e disfarçar a mediocridade política, como outros fizeram, investe no contrário: a explosão do PIBB foi sua grande promessa. Ele não só a cumpre como celebra o resultado com orgulho.

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