Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
Descrição de chapéu Folhajus

A corrida dos 'cotados ao STF' tem mais fofoca que jornalismo

Parece um campeonato de pontos corridos, mas é um festival de frivolidades

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O mundo do direito traz desafios próprios para a cobertura jornalística. Em qualquer lugar. Se avançaram nas tarefas de decifrar decisões judiciais e teias jurisprudenciais, de apontar incoerências e arbitrariedades, e de indagar sobre limites éticos das diferentes profissões jurídicas, jornais brasileiros ainda se deparam com muita armadilha. Neutralizá-las requer, primeiro, conhecimento; segundo, vontade.

A confraria magistocrática, esse "salon" que nada tem de república das letras, onde se trocam abraços interessados entre juízes, advogados e ministros, adota uma série de técnicas para colocar jornalistas a serviço de suas ambições. Mesmo que não seja exclusividade do mundo do direito, seus disfarces peculiares enganam mais.

Uma das cascas de banana onde muito se escorrega é a dos rótulos classificatórios de juízes. Sob a pele de ciência do direito, por exemplo, passou-se a chamar posições jurídicas de punitivistas ou garantistas: mandou prender, mesmo que por exigência legal, é punitivista; mandou soltar, mesmo que contra a lei, é garantista. Variações incluem rótulos como lava-jatistas e antilava-jatistas, ativistas e conservadores, políticos e técnicos etc.

Fachada do STF, em Brasília - Antonio Molina-20.abr.22/Folhapress

Nas entrelinhas, esses slogans desqualificam um dos lados da divergência e escondem conflitos sectários e corporativos. O debate jurídico relevante evapora. Uma consequência dessa confusão manipulativa, por exemplo, foi o apoio de certa advocacia à nomeação e recondução de procurador-geral da República que vendeu "descriminalização da política" e entregou liberação do crime (junto com assédio criminal dos críticos internos e externos).

Jornais podem servir à antiética judicial quando, por exemplo, repercutem declarações de ministros revelando, em off, para testar a reação pública, decisão que dizem pretender tomar; quando descrevem, sem levantar indagação legal, promiscuidades e conflitos de interesse que violam rituais de imparcialidade; quando ajudam a normalizar, enfim, um tipo de corrupção à qual damos pouca atenção, apesar de mais cara que qualquer Petrobras.

Não confunda com quebra da etiqueta e dos bons modos, muito menos com liberdade de expressão. É violação da lei.

Por ser um campo que sempre se fez obscuro e esotérico, mais por estratégia de poder e legitimação do que pela complexidade da técnica jurídica, seus enigmas só seriam explicáveis por insiders que ali trabalham e dali sobrevivem.

Jornais às vezes entregam a advogados influentes, com acesso cativo à cúpula do poder, o privilégio de falarem sozinhos. Uma permuta não gratuita: eles oferecem informações, anedotas e contatos; recebem, em troca, espaço público para divulgar o nome, defender interesse de clientes sob o manto do interesse público e mandar recados por meio do jornal. Uma fonte cara, que cobra contrapartidas autopromocionais.

Se não querem abrir mão de fontes assim, jornais podiam ao menos pluralizá-las e traçar uma linha na areia para demarcar o aceitável. E dar transparência aos interesses envolvidos. De outro modo, advogados de sempre seguirão alimentando a câmara de eco da opinião jurídica parcial e remunerada.

O processo de nomeação de novo ministro ao STF, iniciado de forma precoce, tem sido vitrine multicolorida de vícios jornalísticos. A corrida se converteu na produção artificial de uma lista de "cotados" conforme a apuração de fofocas plantadas, não raro, pelos próprios pretendentes. O simples status de "cotado" virou prêmio simbólico (e alguns autocandidatos se ofendem quando jornalista lhe sonega essa honraria).

E essa não é só uma lista de nomes plausíveis que orbitam o presidente. Existe também requinte quantitativo: os "mais prováveis", os com "mais força", os que "correm na frente". Parece campeonato de pontos corridos, mas os pontos não são aferidos por aquele com poder de determinar o vencedor, e sim pela capacidade de o jornalista farejar fontes que, muitas vezes, também participam da competição. Parece matemática, mas é impressionismo.

O custo jornalístico de se sujeitar a essa série de arapucas é a renúncia da independência analítica e da autonomia crítica. Perde-se com isso a oportunidade de fazer um debate substantivo sobre perfis de juristas que o STF precisa para atenuar suas enormes disfuncionalidades. Promove a mesma elite jurídica que reproduz esse tipo de STF. Apaga alternativas.

Parece realismo mágico, mas é alpinismo sem noção com pitadas de narcisismo magistocrático. Um festival de frivolidades repercutido pelos jornais.

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