Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Descrição de chapéu Folhajus

Por coerência, Lula deve nomear juízas

O 'mutirão pela igualdade' pede um Judiciário menos magistocrático

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Collor nomeou o seu primo ao STF. Fernando Henrique nomeou Gilmar Mendes. Lula nomeou Dias Toffoli. Dilma nomeou Luiz Fux. Fux ajudou na nomeação de mulher de 35 anos a desembargadora do TJ-RJ. Sua filha. O primo de Collor deu telefonemas a desembargadores para que votassem numa mulher para o TRF. Sua filha.

Esse apanhado de nomeações pouco inspiradas dá o tom branco e masculino, dinástico e nepotista, de nossa tradição judicial. E ressalta o papel de presidentes da República e governadores em fomentá-la. Assembleias Legislativas e tribunais sustentam a vocação identitária do estado brasileiro. Um identitarismo não declarado que se reproduz por inércia nessa meritocracia dos bem-nascidos e bem relacionados.

Lula durante cerimônia em Buenos Aires, em sua visita à Argentina - Tomas Cuesta-23.jan.23/Reuters

Lula convocou "mutirão pela igualdade" em sua posse. Não poderia, por coerência a esse compromisso, nomear símbolos de privilégio aos tribunais. Nem conservar STF, STJ e TRFs tão pouco brasileiros. O fisiologismo do centrão magistocrático e advocatício corrói as instâncias superiores. Contê-lo daria contribuição superlativa à democratização da Justiça.

A falta de diversidade de gênero e raça em cargos de poder no Brasil é um vexame global. Apesar da exigência de número mínimo de candidaturas femininas e negras, e de recursos de campanha, a Câmara dos Deputados de 2023 terá 17% de mulheres (aumento de 77 para 91) e o Senado 13% (queda de 11 para 10).

Em 2022, 517 parlamentares eleitos (senadores, deputados federais e estaduais) se declararam negros. Conforme banca de heteroidentificação racial, metade mentiu. Só 16% do total é negra.

Nos tribunais, o desequilíbrio afronta. O STF tem 2 mulheres entre 11 ministros. O STJ tem 6 mulheres entre 33 ministros. Proporção idêntica. Nenhuma mulher negra. Mulheres representam 38% da magistratura, 23% dos desembargadores.

São menos de 18% os magistrados negros, 8% os desembargadores. Dados raciais são imperfeitos pela negligência de tribunais em registrá-los ("Negros e Negras no Poder Judiciário", CNJ, 2021, e "Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros", CNJ, 2018).

A branquitude masculina dos tribunais do país dá vergonha à Justiça, se já não bastasse vergonha à história e a qualquer ideal de progresso. Mas não é só vergonha. Ao suprimir diversidade e reproduzir hierarquias sociais discriminatórias, instituições nacionais perdem em legitimidade e representatividade. Grupos vulneráveis ali não se enxergam.

Um critério de prioridade orientado por gênero e raça não abre mão de competência intelectual, experiência profissional, coragem, dignidade, compostura e decoro. Qualidades que, diga-se de passagem, rareiam nos plenários masculinos de hoje. Obviamente que uma Damares Alves ou um Sérgio Camargo não passam no teste.

Quem afirma que "não basta ser mulher, é preciso ser competente", e daí justifica a média de 80% da branquitude masculina em posições de poder, leu pouco. As "amebas identitárias", como disse deputado dia desses, não têm sido nem as mulheres, nem os negros. Tem sido gente como o deputado mesmo.

Difícil acreditar que Lula não aprendeu com seus erros brutos. Que, tendo lá atrás nomeado ex-advogado do PT ao STF, cujo desempenho não vem ao caso, possa agravar erro e agora nomear advogado pessoal, tido como certo na bolsa de apostas. Não seria só deslize ético.

Lula deve saber que gratidão política a Tebet e Marina (nomeadas a ministérios, pois, além da competência, foram aliadas na campanha) é diferente da gratidão privada a advogado que prestou serviços à pessoa Lula. Uma é republicana, a outra não. Nomeação de ministro do STF é questão de estado. De interesse público, não de coração.

Bastidores também contam que ministro do STF prestes a se aposentar tenta fazer seu sucessor e se engaja em campanha por funcionário da corte. Em vez de valorizar seu legado jurisprudencial e respeitar ritual da aposentadoria, teria optado por jogar seu capital num legado senhorial: um assessor sentado em sua capitania magistocrática. A degeneração do tribunal vai se naturalizando e aprofunda as feridas patrimonialistas. A confusão do público com o privado não tem limite.

Lula terá oportunidade de nomear dois ministros ao STF. Se alguém quiser antecipar aposentadoria, talvez três. A fofoca jornalística anuncia que ele deve nomear uma mulher para lugar de Rosa Weber e um homem para o de Lewandowski. Como se a proporção de 9 homens para 2 mulheres bastasse. Lula poderia alterar essa proporção para 8 a 3. Na melhor das hipóteses, 7 a 4. Ainda será pouco, mas é o que está ao alcance.

Lula, nomeie professoras, advogadas, defensoras, procuradoras, magistradas. A prometida "frente ampla contra a desigualdade" passa por aí. Não é difícil fazer história no Judiciário brasileiro. Ela está piscando para Lula. De novo.

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