Hunther S. Thompson, aka Dr. Gonzo, bateu todos os recordes possíveis de consumação etílica e junkie no universo dos escritores famosos. Perto dele, Hemingway é um garotinho na mamadeira e Burroughs um senhor distinto, com alguns caprichos ilegais.

O sorriso insano, a ironia selvagem e o senso de humor ácido eram suas ferramentas. Alguns de seus alvos foram o ex-presidente Nixon ("ele podia apertar sua mão e te esfaquear nas costas ao mesmo tempo") e os Hell's Angels, pioneiros de gangues milicianas em duas rodas.

Seu livro mais famoso, "Medo e Delírio em Las Vegas", surgiu quando tentava escrever sobre um jornalista morto pela polícia de Los Angeles. Lançado em 1971, começa num hotel em Beverly Hills, onde seu alter ego está hospedado com "meu advogado". Por que um advogado?

A resposta está nos fundilhos do conversível em que viajam, onde há um parque de diversões para adultos com saúde de cavalo. O menu: maconha, mescalina, ácido, cocaína, "uma galáxia multicolorida de bolinhas, anfetaminas e calmantes", tequila, rum, éter e poppers.

Não satisfeitos, vão ao lounge do hotel, onde enfileiram singapore slings, shots de mezcal e cerveja. Até que aparece um telefone cor de rosa e Duke recebe a missão de cobrir um rali no deserto de Las Vegas.

O que chama a atenção no meio desse consumo desenfreado de substâncias é o singapore sling, um coquetel antigo, cheio de histórias desencontradas e mil receitas. Curiosamente, uma tradução antiga do livro coloca a piña colada na cena. Está muito longe de ser a mesma coisa, ainda que ambos tenham tintas equatoriais.

Tudo indica que o coquetel favorito de Dr. Gonzo foi criado pelo bartender chinês Ngiam Tong Boon, no Raffles Hotel de Cingapura, entre 1899 e 1915, quando a Cidade dos Leões estava sob domínio britânico.

Entre as muitas estrelas que passaram pelo hotel estão Oscar Wilde, Dorothy Parker e Aldous Huxley —imagine o que seria uma mesa reunindo os três e Hunter Thompson (caso as datas nas lápides permitissem). Não ia prestar. Talvez falassem de Gina Lollobrigida, que estampava capas de revistas cingapurianas nos anos 1950 e 60.

Hoje, o Long Bar do Raffles perdeu a doce penumbra da nostalgia, tendo se rendido ao azáfama do serviço turístico. Perdeu também a receita original do singapore sling de Boon, possivelmente nos escombros da Segunda Guerra.

Continua, contudo, a preparar o drinque, marca tão forte quanto o daiquiri do El Floridita (que a saudosa Lollobrigida conheceu quando fez um documentário sobre Fidel Castro. Thompson também tentou entrevistar o líder revolucionário, sem sucesso). A receita teria sido anotada num guardanapo por um cliente e assim preservada das intempéries da história.

Soa como jogada de marketing e há quem sustente que o Raffles se aproveitou da onda Tiki para incluir o suco de abacaxi. Mas quais seriam os melhores ingredientes na mistura? Dr. Gonzo diria —e suspeito que Lollobrigida concordaria— que o importante é " curtir a vida loucamente, se apaixonar e não ser preso."

Anotado.

SINGAPORE SLING

45 ml de gim

7,5 ml de licor de cereja

7,5 ml de licor de laranja

7,5 ml de Bénédictine DOM

7,5 ml de grenadine

30 ml de suco fresco de abacaxi

20 ml de suco fresco de limão

1 lance de Angostura

60 ml de água com gás

Bata os oito primeiros ingredientes numa coqueteleira com gelo e coe para um copo highball com gelo. Complete com água com gás e decore com cereja e abacaxi.