Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Descrição de chapéu América Latina

Dos piratas ingleses aos fazendeiros cubanos, o mojito fez história

El Draque, poção dos flibusteiros da rainha Elisabeth 1ª, pode ter sido a inspiração

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Em La Bodeguita del Medio, um dos bares mais procurados por turistas na capital cubana, há um quadro com uma nota escrita em papel de açougue: "My mojito in La Bodeguita. My daiquiri in El Floridita". Assinado: Ernest Hemingway.

O bar La Bodeguita del Medio, no centro de Havana Velha - Renato Luiz Ferreira - 10.jul.11/Folhapress

Pegou. Muita gente até hoje associa o escritor ao mojito, como sendo essa sua bebida favorita, inclusive autores de livros sobre coquetelaria.

Ora, acontece que o autor de "Adeus às Armas" nunca citou o mojito em seus livros (ao contrário do daiquiri, esse sim um favorito, que está em "As Ilhas da Corrente"). É possível que ele nem tenha posto a famosa bunda numa banqueta da Bodeguita —já na Floridita ninguém senta em sua banqueta cativa, trono sagrado.

De acordo com Philip Greene em "To Have and Have Another", livro com todas as bebidas tomadas e mencionadas por Hemingway (não, não tem mil páginas, mas também não é fino), tudo teria sido uma jogada de marketing. Maior suspeito, o escritor Fernando Campoamor explicou: "era para ser uma piada, mas acabou virando uma grande mentira".

A mixologia é o reino da pirataria, afinal. Saques, abordagens em alto-mar e pedidos de resgate são frequentes na disputa pelas receitas. O próprio mojito pode ter surgido no convés de um navio com a caveira tremulando.

Seria descendente do El Draque, poção tomada pelos flibusteiros da rainha Elisabeth 1ª, da Inglaterra, no final do século 16, pagos para que roubassem o ouro dos espanhóis no Caribe —de resto, roubado pelos espanhóis dos povos originários da região e arredores, maias, astecas, incas, caraíbas. (Soa familiar?)

O El Draque era feito com aguardiente, versão rudimentar do rum, mas já continha limão, açúcar e hortelã, abundantes em Cuba. Como sói acontecer com fontes externas de prazer, surgiu como remédio, panaceia, e logo o pessoal foi tomando gosto. Dá para imaginar o sujeito, com perna e cara de pau, sedento por um traguinho, choramingando: "Capitán, no sé lo que tengo, creo que estoy enfermo". O capitão, no caso, era Sir Francis Drake, daí o nome.

O Mojito, bebida tradicional em Cuba - Newton Santos/Hype

A transformação em mojito surgiu entre os fazendeiros cubanos, nos anos 1920, e acabou nos bares da ilha, para deleite dos americanos que fugiam da Lei Seca. "Mojar", em bom castelhano, é o nosso molhar. "Mojo", por sua vez, é palavra africana para "feitiço". Mas são especulações.

O cinema também bebeu nessa fonte em ao menos dois filmes de sucesso. "Nosso Homem em Havana", baseado no thriller cômico de Graham Greene, mostra Alec Guinness com um mojito plácido e majestoso nas mãos. Foi rodado na capital cubana, duas semanas antes da queda de Batista. Fidel Castro chegou a visitar o set, e é tentador pensar que tenha tomado uns mojitos com os atores e o diretor Carol Reed.

Bond, sempre ele, com charme e senso de humor que mal escondem a macheza insalubre, popularizou de vez o mojito em "007 - Um Novo Dia para Morrer", no começo deste século. Pierce Brosnan oferece o coquetel para Halle Berry, que acaba de sair do mar, pingando sensualidade. Como Hemingway, ela nunca tomou o drinque, mas "pode gostar dele com o tempo". À pronta pergunta "e quanto tempo você tem?", ela estala a língua e solta: "Até o sol raiar".


MOJITO

60 ml de rum, claro ou dourado

20 ml de suco fresco de limão

20 ml de xarope de açúcar (1:1)

20 ml de água com gás

12 folhas de hortelã

Coloque as folhas, o suco e o xarope num copo Collins e macere delicadamente. Acrescente gelo e rum e mexa. Finalize com água com gás. Como guarnição, use um ramo de hortelã.

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