Daniel Furlan

Ator, comediante e roteirista, é um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o programa "Choque de Cultura".

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Daniel Furlan

O pênis

Desenhos do órgão genital sempre desafiavam o controle disciplinar na 2ª C

Luciano Salles/Folhapress

Na 2ª C, as cadeiras estavam todas com pênis desenhados, de modo que os alunos chegavam à sala condenados a se sentar em pênis imaginários. 

Na volta do recreio, o quadro negro estava cheio deles, retardando o reinício da aula até que a professora apagasse tudo, mas sempre sobrando um pedacinho num canto, provocando risinhos. E, claro, havia o pênis gigante desenhado no chão, englobando toda a sala, de modo que alunos, professores e qualquer autoridade escolar não tinham escolha a não ser caminhar pelo órgão genital gigantesco. 

E ainda era o começo do ano, quando uma das alunas levou um pôster de um desenho de árvore, cheia de detalhes em seus galhos, folhas e bichinhos. Ao lado, havia uma espécie de medidor. Era uma gravura para medir as alturas das crianças.

A professora explicou, autoritariamente, que aquele pôster ficaria colado atrás da porta o ano todo, onde os alunos seriam medidos naquele dia e no último dia de aula, para ver quanto cresceriam naquele ano. E deixou claro que o pôster pertencia à colega, que o levaria de volta para casa no último dia letivo. Sem. Nenhum. Tipo. De. Desenho. Obsceno. Seguiram-se ameaças disciplinares severas nunca antes utilizadas. 

O recado foi compreendido, a autoridade se fez respeitar pelo medo. As alturas foram medidas naquele dia na árvore, o ano transcorreu com o pôster sendo, inclusive, esquecido, para só no último dia os alunos terem suas alturas medidas novamente.

Alguns cresceram mais, outros menos, mas todos com um sorriso no rosto de último dia de aula. E o pôster totalmente respeitado. A professora o descolou cuidadosamente detrás da porta e o devolveu à aluna, que o enrolava satisfeita, até que… ela parou de enrolá-lo. E uma cachoeira de lágrimas caiu sobre a árvore.

A professora correu em sua direção, examinou a árvore de cima a baixo, não havia nada, o pôster estava intacto, intacto! 

Mas, em meio à folhagem de um dos galhos, microscópico, quase imperceptível ao olho humano, estava ele. O pênis. Na verdade, um micropênis, que parecia zombar da autoridade.

Que punição caberia? O último dia de aula é o vácuo do controle disciplinar. E aquele micropênis provavelmente esteve ali o ano inteiro, com seu autor anônimo regozijando sozinho a vitória sobre o poder estabelecido. Touché.
 

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