Dizem que não há nada mais potente para marcar a memória juvenil do que música e açúcar. Na verdade, ninguém disse isso, mas soa como algo que alguém tenha dito. O fato é que as duas coisas marcaram mais a oitava série do Colégio Salesiano do que qualquer aula de história, qualquer ensinamento de OPV (Orientação Para a Vida) ou mesmo qualquer beijo na boca atrás da igreja da escola —até porque eu nunca consegui dar nenhum.
Essa época de ouro do ensino religioso católico foi marcada pelo chup-shake (uma espécie de chup-chup com outro nome e muito mais açúcar) e pela rádio-recreio, basicamente alto-falantes pelo pátio tocando músicas submetidas previamente pelos alunos.
Após meses de planejamento silencioso, tomei coragem e levei uma ousada opção musical para a rádio-recreio, que funcionava numa salinha onde um padre recebia as fitas, que ele tocava por ordem de chegada, fazendo com que sua música pudesse tocar imediatamente ou talvez só no recreio de um futuro distante.
Deixei minha fita e saí correndo, esperando que meu rosto jamais fosse reconhecido pelo padre. A música era “Evil Thing”, do Danzig. Sentei num banco do pátio e aguardei, aflito. Nada. Comprei uma jujuba. Nada. E já estava prestes a desistir até que nos últimos minutos do recreio, em meio a patos fus e capitais iniciais, os primeiros versos de “Evil Thing” começaram.
“I serve my perdition
In this private hell
A thousand angers
Have kept me alive
Carve a hole in your distorted soul
I’m here to bang it
Yeaaaaahhhh!!!”
Etc.
Pronto. Eu mal podia esperar pela revolução, pelos ataques de fúria e pelas mudanças de comportamento que estavam prestes a ser despertados pelo poder revolucionário do rock. Lixeiras sendo atiradas, professores de OPV desesperados em direção aos seus automóveis incendiados, bolas de vôlei da quinta série sendo chutadas no teto da igreja. O verdadeiro caos.
Nem preciso dizer que nada aconteceu. Os riffs de “Evil Thing” passaram despercebidos e meus colegas continuaram entretidos com seus chup-shakes, provavelmente até hoje. Fui para a sala de aula esperar minha adolescência acabar, mas ainda desconfio que alguma coisa entrou no inconsciente dos alunos do Colégio Salesiano naquele recreio e que algum dia alguma coisa vai acontecer. Mas nada nunca acontece.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.