— Eu tive uns probleminhas pra entrar nos EUA.
—  Mas por quê? Com seu passaporte europeu é mole.
—  Eu tenho um passado meio tenso. Risos.
—  Risos.
—  Eu peguei cadeia um tempo.
—  Sério? Por quê?
—  Entrei num esquema com uns taxistas russos de levar cocaína de carro na fronteira. Eles gostaram de mim porque na época eu era pequenininha, menor de idade, não levantava suspeita. Mas aí eu dei mole de viajar drogada, um policial me parou, viu minhas pupilas e acabou revistando o carro. Aí eu fui presa.
—  Legal.

Silêncio.

—  Mas conta, como era na prisão? Você fez amizade?
—  Era ótimo, era um reformatório na verdade, as outra meninas estavam lá por ter roubado um CD, depredado a escola, e eu por tráfico internacional, então eu era bem respeitada.

Silêncio.

—  E você tá namorando?
—  Eu tinha um namorado nessa época. Inclusive acabei engravidando dele na cadeia. Duas vezes.
—  Show. E como vocês se conheceram?
—  Ele comprava cocaína de mim. Era bem viciado, então a gente se encontrava bastante.
—  Legal, vocês se apaixonaram.
—  Sim, um dia ele me ligou chorando porque tava muito louco, tinha brigado com um bar inteiro e tava com as duas mãos quebradas. Fui ajudar, acabei levando ele pra minha casa e começamos a namorar.
—  E cadê ele agora?
—  Morreu. Ele tava com câncer no pâncreas em estágio avançado, a químio não tava funcionando. Um dia a gente tava bem louco na cozinha e ele disse que queria se matar cortando os pulsos, perguntou se eu ajudava. Eu disse "lógico", mas perguntei se ele tava preparado pra morrer me vendo chorando durante seis horas do lado dele. Ele disse que sim, então enchi a banheira, ele cortou os pulsos e quando eu me certifiquei de que ele tinha morrido, chamei uma ambulância.
—  E o que você disse pros paramédicos?
—  Que a gente bebeu, eu dormi e quando eu acordei ele tava morto.
—  Tem muito tempo isso?
—  Não, foi em maio.

Silêncio.

—  Mas hein, e o futuro? Planos pro futuro?
—  Eu provavelmente vou ter que me mudar em breve, tô vendo apartamento.
—  Ah, olha aí! Que legal!
—  Porque pra pegar menos tempo de cadeia eu entreguei um intermediário do esquema do tráfico, mas quando foi condenado ele disse que assim que saísse ia me matar. Como ele tá com bom comportamento, deve sair por agora e eu ainda moro no mesmo apartamento. 
—  Legal, acho que eu vou indo.
—  Eu vou com você até seu hotel.