Deborah Bizarria

Economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick University (Reino Unido); evangélica e coordenadora de Políticas Públicas do Livres

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Deborah Bizarria

Como evitar uma nova tragédia como a de São Sebastião?

Primeiro passo é compreender o que leva diversas famílias a morar nessas localidades

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O excesso de chuvas durante o Carnaval causou diversos alagamentos no litoral norte de São Paulo. A sistemática omissão governamental, sob liderança de diferentes partidos, causou dezenas de mortos, desaparecidos e outros danos severos à infraestrutura.

De acordo com a Defesa Civil, no Brasil há 14 mil pontos de risco alto de desastre, nos quais vivem um total de 4 milhões de pessoas. Infelizmente, esse tipo de ocorrência tem sido um fenômeno praticamente anual e deve se tornar cada vez mais comum por causa dos desequilíbrios causados pelas mudanças climáticas. Devido à quantidade de pessoas morando nessas áreas de risco, políticas públicas de alerta e garantia de segurança dos moradores já deveriam ter sido adotadas.

O primeiro passo para adoção de boas políticas é compreender o que leva diversas famílias a morar nessas localidades, mesmo sabendo dos riscos envolvidos. Além de questões econômicas imediatas, como altos preços de moradia em outros lugares e desigualdade no acesso à infraestrutura, questões emocionais também têm um papel importante para que famílias acabem optando por não se mudar e muitas vezes até retornar para a mesma região após um deslizamento ou alagamento.

Grafico com mortes devido a chuvas
Grafico com mortes devido a chuvas - Reprodução

Algumas pesquisas qualitativas realizadas na Europa por Tim Harris e no sudeste asiático por Gowhar Farooq Wani e outros autores detalham os fatores emocionais ligados à decisão de continuar morando em áreas de risco. Na pesquisa conduzida por Tim Harris, poucos chefes de família relataram preocupação com a sua segurança física ou com o risco de perdas materiais. Ao contrário, o foco das preocupações das famílias em áreas propensas a inundações parecia ser o que o sociólogo Anthony Giddens chama de segurança ontológica. Ou seja, a prioridade é preservar a sensação de ordem e continuidade, evitando caos, mudanças drásticas e ansiedade. Na prática, acaba sendo psicologicamente mais confortável ficar numa localidade conhecida, em que há conexões familiares e comunitárias, do que se arriscar e sair para um local novo e desconhecido.

A pesquisa de Wani e outros autores aponta para cinco fatores chave que se conectam com a sensação de segurança ontológica entre as causas para o retorno de famílias para áreas de risco após o fim das enchentes. Os fatores são: apego ao local, boas condições de vida, a capacidade de adaptação a inundações, senso de comunidade e harmonia social.

Uma vez que é improvável que 4 milhões de pessoas se mudem das áreas de riscos, é necessário que o poder público foque em salvar vidas e posteriormente auxiliar na reconstrução da infraestrutura danificada. Esse processo passa necessariamente por uma melhoria da comunicação dos órgãos públicos com as comunidades e dos planos de contingência, como transporte para abrigos e áreas seguras, além da garantia de alimentos para os desalojados. Um exemplo de melhor comunicação foi a implementação de 15 sirenes nas comunidades localizadas em áreas de risco para deslizamentos na cidade do Rio de Janeiro, reduzindo drasticamente o número de mortes por causa das chuvas.

Mas isso não é tudo. De acordo com uma ampla revisão de políticas bem-sucedidas de mitigação, David Godschalk e outros autores apontam para programas integrados. Nesses programas, os órgãos se concentram em explicar os riscos à população, notificar as situações de emergência com agilidade, restringir quaisquer subsídios para construções inseguras e a aquisição de áreas de altíssimo risco pelos governos. Além disso há também a necessidade de integrar as ações municipais, estaduais e federais para que aconteçam de modo complementar e coordenado.

Sem que haja um real esforço na implementação de políticas para lidar com desastres, em conexão com a população, nada será efetivo. Se nada mudar, estaremos fadados a assistir pessoas morrendo a cada período de chuvas.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.