Demétrio Magnoli

Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

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Demétrio Magnoli

Mourão e os manés

Vice de Bolsonaro emitiu declaração de guerra contra ex-presidente e almeja liderar bloco

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"Perdeu, mané." A mensagem emergiu no pronunciamento do presidente em exercício Hamilton Mourão, horas antes do Ano-Novo, na véspera da inauguração de Lula 3. Não foi, porém, a principal. O general, vice, senador emitiu uma declaração de guerra a Jair Bolsonaro, anunciando um cisma.

A fuga do presidente para a Flórida, molecagem final, descortinou uma oportunidade preciosa. Enquanto, desmoralizados, os manés derradeiros ainda ajoelhavam-se diante de urutus estáticos, Mourão detonou cargas de explosivos na abandonada casamata bolsonarista.

"Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de país deixaram com que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um clima de caos e de desagregação social." Lideranças? Trata-se, claro, de Bolsonaro. Lida direito, a mensagem adensa o argumento para processar o presidente fujão por crimes contra a ordem constitucional: ali está, pouco disfarçada, a acusação de "fomentar um pretenso golpe".

Homem fala na TV com bandeira do Brasil ao fundo
O agora ex-vice-presidente Hamilton Mourão, durante pronunciamento no último dia 31 - Reprodução

Mourão mandou os manés para casa ("Retornemos à normalidade da vida, aos nossos afazeres e ao concerto de nossos lares") como quem diz que as tais "lideranças" os iludiram. Não esqueceu de tocar nas emoções sacrossantas dos fanáticos, imputando veladamente ao STF ("instituições públicas") uma "abstenção intencional do cumprimento dos imperativos constitucionais". Mas esvaziou o circo bolsonarista sobre o artigo 142, mencionando a "equivocada canalização de aspirações e expectativas para outros atores públicos" (leia-se: Forças Armadas) que "carecem de lastro legal para o saneamento do desequilíbrio institucional".

Guerra para que? Mourão falou dos representantes eleitos que "farão dura oposição ao projeto progressista do governo de turno sem, contudo, promover oposição ao Brasil". É o gesto inicial de uma figura que almeja liderar um bloco parlamentar oposicionista, disputando o heterogêneo espólio eleitoral do bolsonarismo. A meta tática sinaliza o objetivo estratégico: a construção de um partido da direita clássica.

Na sua declaração de guerra, Mourão mencionou a democracia sete vezes, sem nunca recorrer à senha bolsonarista da "liberdade do povo brasileiro", que figurou como síntese do plano golpista. Conectou a democracia ao "Livre Mercado" (assim, enfeitado com maiúsculas), ao "estado de direito" e à "alternância política", registrando que mudamos de governo "mas não de regime". Seu esboçado partido da direita clássica operaria dentro da regra do jogo.

A plataforma do partido está exposta no pronunciamento, em elogios à privatização, à reforma administrativa, à reforma previdenciária e ao equilíbrio das contas públicas. Uma "educação isenta" propiciaria a "redução das desigualdades" e "oportunidades iguais a todos". O "destino-manifesto" do Brasil seria tornar-se a "mais próspera democracia liberal ao sul do Equador". Um partido economicamente liberal e socialmente conservador, despido das obsessões conspiratórias olavo-bolsonaristas –eis o projeto de Mourão.

O senador, eleito pelo Republicanos, dirige-se ao PL e ao PP, investindo na cisão do bolsonarismo parlamentar. Referindo-se às "práticas sistemáticas de corrupção", acena igualmente a correntes ainda inspiradas pelo combalido Sergio Moro, da União Brasil, e ao perplexo MBL. No percurso, busca livrar-se das responsabilidades pelos "percalços" na "área ambiental", atribuindo o desmatamento na Amazônia às injunções maléficas do passado distante (a "sanha predatória oriunda dos tempos coloniais").

Historicamente, desde a finada UDN, a direita brasileira tendeu ao golpismo, reunindo-se diante dos portões dos quartéis. O próprio Mourão flertou com a intervenção militar em 2017. Seu eventual sucesso na articulação de um partido da direita clássica faria bem à democracia – e, mais ainda, à saúde mental dos manés.

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